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31 de março de 2010

Os dois mais murmuravam do que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
_ Está bem, acredito que sou sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar?
Ele foi simples:
_ Sim, já beijei antes uma mulher.
_ Quem era ela?, perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir _ era tão bom. A concentração ao sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, talvez horas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara; na curva inesperada da estrada, entre arbustos, estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada.
O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga.
Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca de estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca. de uma boca para outra.
[...]
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva.
[...]
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto, Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...
Ele se tornara homem.
(Clarice Lispector)

O chão é cama para o amor urgente,

amor que não espera ir para a cama.

Sobre tapete ou duro piso, a gente

compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

30 de março de 2010

Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas

Detêm a mão ansiosa: Devagar.

Cada pétala ou sépala seja lentamente

acariciada, céu; e a vista pouse,

beijo abstrato, antes do beijo ritual,

na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.

29 de março de 2010

Não quero ser o último a comer-te.

Se em tempo não ousei, agora é tarde.

Nem sopra a flama antiga nem beber-te

aplacaria sede que não arde

em minha boca seca de querer-te,

de desejar-te tanto e sem alarde,

fome que não sofria padecer-te

assim pasto de tantos, e eu covarde

a esperar que limpasse toda a gala

que por teu corpo e alma ainda resvala,

e chegasses, intata, renascida,

para travar comigo a luta extrema

que fizesse de toda a nossa vida

um chamejante, universal poema.

28 de março de 2010

No mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio.

Agora que nos separamos, minha morte já não me pertence.

Tu a levaste contigo.

27 de março de 2010

No corpo feminino, esse retiro

- a doce bunda - é ainda o que prefiro.

A ela, meu mais íntimo suspiro,

pois tanto mais a apalpo quanto a miro.

Que tanto mais a quero, se me firo

em unhas protestantes, e respiro

a brisa dos planetas, no seu giro

lento, violento... Então, se ponho e tiro

a mão em concha - a mão, sábio papiro,

iluminando o gozo, qual lampiro,

ou se, dessedentado, já me estiro

me penso, me restauro, me confiro,

o sentimento da morte eis que adquiro:

de rola, a bunda torna-se vampiro.

25 de março de 2010

Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,

ou na banheira amar, de água vestidos,

amor escorregante, foge, prende-se,

torna a fugir, água nos olhos, bocas,

dança, navegação, mergulha, chuva,

essa espuma nos ventres, a brancura

triangular do sexo - é água, esperma.

é amor se esvaindo, ou nos tornamos fonte?

24 de março de 2010

A bunda, que engraçada
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
Pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
Ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
Em rotundo meneio. Anda por si
Na cadência mimosa, no milagre
De ser duas em uma, plenamente.

A bunda de diverte
Por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
Na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda.

23 de março de 2010

Coxas bundas coxas

bundas coxas bundas

lábios línguas unhas

cheiros vulvas céus

terrestres

infernais

no espaço ardente de uma hora

intervalada em muitos meses

de abstinência e depressão.

22 de março de 2010

De todos os pássaros, os beija-flores são os que mais me fascinam. Suas cores brilhantes: verde, azul, preto. Nunca vi mas sei que alguns têm cores vermelhas. Flutuam no espaço como nenhum outro pássaro, suas asas batendo com uma velocidade tal que as torna invisíveis. E a velocidade do seu vôo: pairam no ar, imóveis, sugando a flor. De repente transformam-se em flechas que disparam pelo ar. Vivem do mel das flores. Enfiam seu bico fálico no orifício vaginal das flores, suas pequenas línguas saem e sugam o néctar doce.

Foi assim a primeira vez: como o beijo manso e inofensivo de um beija-flor. Você sentiu sua língua doce entrando no seu corpo. De repente tudo ficou colorido, brilhante, leve. Alegre. Como se você estivesse sendo tocado pelos deuses. Que bom se a vida fosse sempre assim!

O beija-flor se foi e sua vida voltou ao que era, o cotidiano de sempre que lhe parecia bobo e sem sentido. A vida ficava muito mais bonita com o beijo do beija-flor! O beija-flor voltou. Você ficou alegre. A experiência se repetiu. Você pediu que ele lhe enfiasse seu fino bico como da primeira vez. Esses beija-flores sempre obedecem. Você não percebeu que a lingüinha do beija-flor estava um pouquinho maior, entrava mais fundo em você. Mas, que importância tinha isso diante da alegria que o beija-flor lhe trazia?

Aí o beija-flor se transformou no seu pássaro encantado. Você pensava nele durante a sua ausência e sua vida passou a ser uma espera do seu retorno.

Cada vez que ele voltava sua língua ficava um pouco maior. Ia mais fundo. Dividiu-se em várias. Passou a entrar em muitas direções do seu corpo e da sua alma ao mesmo tempo. O beija-flor já não era o passarinho inofensivo do primeiro dia. Cresceu. Você percebeu que havia garras nos seus pés. E havia anzóis em suas línguas. Você começou a querer livrar-se dele. Mas ele já havia cavado buracos profundos no seu corpo e na sua alma. Na ausência do beija-flor esses buracos doíam com uma dor insuportável. Mas ele sempre voltava - tão diferente! - e fazia a dor passar. Agora o que o ligava ao beija-flor não mais era o prazer do primeiro dia. Era o prazer (tolo) de ver a dor passar.

A mitologia Grega conta de um herói, Prometeu. Prometeu desafiou os deuses, roubou o fogo e deu-o aos homens. Como castigo ele foi acorrentado numa rocha e um abutre vinha diariamente comer um pedaço do seu fígado.

Prometeu é você. O beija-flor o enganou. Disse-lhe que era possível ter a felicidade dos deuses sem fazer esforço: bastava aceitar o seu beijo. Você - menino bobão - acreditou. Agora você está acorrentado num rochedo. Você já notou que o beija-flor deixou de ser um beija-flor? Que ele se transformou num abutre? Vá diante de um espelho. Olhe-se com atenção. Veja a que lixo você foi reduzido!

O caminho em que você está tem apenas três fins possíveis.

O primeiro deles, o melhor, o que tem menos sofrimento, é a morte.

Ah! Ellis Regina! Você cantava tão bonito! Alegria para tanta gente! Mas as alegrias comuns da vida não lhe bastaram! Você queria alegrias maiores! Afinal de contas, os artistas bem que a merecem! Não sei se foi acidente ou se foi de propósito. O fato é que o beija-flor a matou.

Ah! Chet Baker! Você não sabe quem é Chet Baker? Aconselho-o a ir a uma loja de CDs e procurar por ele. Você vai ouvir o pistão mais veludo, mais suave, mais triste, mais bonito que você já ouviu. Que felicidade poder tocar pistão daquele jeito! Que felicidade ser amado do jeito como ele era, pela música que ele fazia. Mas ele não suportou as exigências do beija-flor que já havia se apossado do seu corpo. Incapaz de quebrar as correntes, ele achou que o único caminho era morrer. Somente a morte colocaria um fim ao seu sofrimento. A morte, freqüentemente, é a única saída.

O outro caminho é a loucura. O seu "hardware" e o seu "software" não agüentam a luta e você enlouquece. Será que há situações em que a pessoa deseja ficar louca? Sei que há situações em que a gente deseja ficar doente. Doente, a gente deixa de ter responsabilidades. Os outros cuidam da gente. Se você ficar louco não adianta o beija-flor vir. Os outros não vão deixar que ele entre. Dói muito a princípio. Se você não estivesse louco você deixaria que o abutre comesse mais um pedaço do seu fígado. Mas você está louco. Os médicos e enfermeiros o defendem.

O último caminho, eu acho, é o mais terrível. Por causa do beija-flor-abutre você é capaz de fazer qualquer coisa. E você vai entrando cada vez mais fundo num mundo sinistro e escuro do qual é muito difícil sair. Até que você comete um crime que o levará à prisão. Aí você passará a sua vida atrás das grades, no meio de criminosos cruéis - e você nem imagina a que humilhações você será submetido.

Essa carta, eu a escrevo admitindo a hipótese de que você queira quebrar as correntes. Se você não quer nem precisa continuar a ler. Será uma perda de tempo.

Há uma coisa que recebe o nome de "síndrome de abstinência": ela é a dor que se sente na ausência do beija-flor-abutre. É dor física, é ansiedade, é angústia, é pânico, é desespero - tudo junto. Para se livrar dessa dor você será capaz de fazer qualquer coisa: você perde a razão. Aí, para que você não faça essa "qualquer coisa", pessoas que o amam - se é que elas existem - tomam uma providência: internam você numa clínica. Internação em clínica é um artifício de força a que se recorre para impedir que você faça a tal "qualquer coisa", na esperança de que, depois de muito sofrimento, a dor vá passando e as correntes fiquem mais fracas. De fato, com o tempo, as dores passam. Como passam também as dores que se tem quando uma pessoa querida morre. Com uma diferença: quem sofre a perda de uma pessoa amada sabe que não há nada que se possa fazer para que ela volte. Então, ela nem tenta. Convive com a sua dor. Não há outra alternativa.

Mas esse não é o seu caso. O buraco parou de doer. Mas ele continua lá. Continuam as memórias das experiências divinas. E as memórias tentam. Ah! Como tentam! E você diz: "Já estou livre! Só uma vez! Só uma última vez, vez de despedida. Não haverá outra..."

Jesus era sábio. Conhecia as armadilhas da alma. Contou uma parábola, a estória de uma casa onde morava um demônio. Aí o dono da casa ficou cheio com o demônio e o pôs para fora. Vazia a casa, ele a varreu, pintou e decorou. Mas ficou vazia. Passados uns dias o tal demônio, vagando pelas redondezas, passou pela casa onde morara e se surpreendeu: "Vazia! Ainda não tem morador!" Foi, chamou outros sete demônios e se alojaram na casa. Jesus termina a parábola dizendo que o estado da casa ficou então pior do que era antes. Os demônios moram no Vazio.

Passadas as dores da "síndrome de abstinência" o seu maior inimigo será o Vazio. Como diziam os filósofos antigos, a natureza não suporta o vazio. O vácuo "chupa" o que está ao seu redor. Com o que concordam os que conhecem a alma: o Vazio é o lugar preferido dos demônios. Esta é a razão por que os místicos iam para o deserto, onde não havia ninguém. Não para ter paz. Mas para medir forças com os demônios. "E Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto para ser testado pelo demônio."

Agora, que você está livre da "síndrome de abstinência", trate de encher o seu Vazio. Se você não o encher os demônios voltarão.

Pra lidar com o Vazio nada melhor que trabalho corporal, braçal. As atividades intelectuais e espirituais, que eu tanto amo, podem ser perigosas. Leitura, poesia, meditação, são remédios fracos. Fracos porque eles são vizinhos do mundo do beija-flor. Atividades intelectuais e espirituais freqüentemente têm efeitos parecidos com os das drogas. Marx estava certo quando comparou a religião ao ópio. Freud estava certo quando se referiu ao poder inebriante da música. Inebriante: que nos torna ébrios...

Aconselho que você se empregue numa oficina mecânica, numa construtora, como auxiliar de pedreiro, numa madeireira, numa carpintaria, como agricultor, como jardineiro, como enfermeiro, como lixeiro. Será inútil que você se dedique aos seus próprios hobbies. Você precisa de alguém, ligado aos trabalhos corporais, que saiba da sua situação, e que o aceite como aprendiz.

E é preciso não estar sozinho. Batalha que se batalha sozinho é batalha perdida. Batalha que se batalha com outros é batalha que pode ser ganha. Os AA sabem disso. Os Vigilantes do Peso sabem disso.

A vida, com todas as suas limitações e frustrações, merece ser vivida. Às margens do caminho esburacado há morangos que podem ser colhidos e comidos. Trate de viver. Trate de comer os morangos. Esforce-se por ser feliz!

Minhas netas: O mundo de quando eu era criança era tão diferente do mundo em que vocês e eu vivemos agora que parece que ele aconteceu há muito, muito tempo mesmo, no tempo daquelas estórias antigas que começavam sempre assim: "Era uma vez, numa terra distante, há muito tempo atrás..." Será que eu vivi no tempo do "era uma vez"? A nossa viagem na minha máquina de tempo nos fez viajar 62 anos na direção do passado, quando eu era um menino de 5 anos. Vocês vão dizer: "Mas vovô, 62 anos é muito tempo mesmo! Você viveu no tempo do era uma vez!" Vocês são crianças de 10, 11 anos de idade. 62 anos é, para vocês, muito tempo, um tempo que vocês nem podem imaginar. Quando eu tinha a idade de vocês eu sentia do mesmo jeito. Mas não é muito tempo quando pensamos nos milhares de anos, nas centenas de milhares de anos que medem o tempo em que os nossos antepassados começaram a povoar o mundo.

Vocês já ouviram falar sobre eles na escola, os homens pré-históricos, o homem de Neandertal... Pois eu vou dizer uma coisa muito esquisita: eu acho que o mundo em que eu vivia estava mais próximo do mundo desses nossos antepassados, há milhares de anos, que do mundo de vocês, o mundo em que nós vivemos! É que, no passado, o tempo andava muito devagar, porque as mudanças aconteciam muito devagar. Vocês podem imaginar quantas centenas de anos levou para que os homens descobrissem a maneira de produzir fogo? Ou o tempo que levou para que eles aprendessem a fazer cerâmica? Durante milhares de anos os homens só usavam instrumentos de madeira e de pedra. Podem imaginar o tempo que se passou até que eles descobrissem os metais - e mais - o tempo que se passou até que eles aprendessem a usar os metais? Para usar metais, para transformar os metais em ferramentas, eles tinham de já dominar a tecnologia do fogo - porque é preciso fogo para fundir os metais. E qual teria sido o acidente que fez com que eles descobrissem que os metais, colocados no fogo, a altas temperaturas, derretiam? Que momento extraordinário deve ter sido aquele quando um homem, pela primeira vez, produziu uma lâmina afiada que podia cortar o couro, cortar a madeira, cavar a terra! Os seus companheiros devem ter olhado para ele com assombro, respeito - quase como se ele fosse um deus!

Quando as mudanças acontecem muito devagar o tempo anda muito devagar. Ao contrário, quando as mudanças acontecem depressa, o tempo anda depressa. E foi isso que aconteceu: desde que eu nasci as mudanças começaram a acontecer de maneira cada vez mais rápida. E a razão por que as mudanças passaram a acontecer de forma cada vez mais rápida se deve a isso: antes as descobertas aconteciam por acidente. Mas, de repente, os homens aprenderam a fazer as mudanças de propósito. Não precisavam esperar que acidentes acontecessem. Aprenderam que, usando o pensamento, eles podiam fazer as coisas que desejavam. No lugar/tempo da minha infância as mudanças andavam de carro de boi. No nosso tempo as mudanças andam de avião a jato! A distância que um avião a jato percorre em uma hora, um carro de boi, andando sem parar, dia e noite, levaria 270 horas para percorrer! Assim, eu posso dizer que o mundo em que eu vivia quando menino de 5 anos estava mais próximo do mundo dos nossos antepassados que do mundo em que vivemos agora. Em 62 anos o mundo experimentou mais transformações - voou mais - que durante todos os milhares de anos passados em que nossos ancestrais viveram!

Eu vivi, assim, muito perto do início da história do homem! O jeito como as coisas eram feitas no meu tempo de menino era o mesmo jeito pelo qual elas eram feitas muitos séculos antes. Vou dar um exemplo. No meu tempo de menino a gente fazia sabão em casa. Para isso se usava sebo de vaca e um líquido preto que era obtido fazendo filtrar água através da cinza. Faz alguns anos visitei, nos Estados Unidos, uma aldeia que é uma réplica (réplica = cópia) de uma das aldeias onde viviam os primeiros norte-americanos, nos séculos XVI e XVII. Pois encontrei, num canto da aldeia, o lugar onde eles faziam sabão com a descrição de como eles o faziam. Pois eles faziam sabão do mesmo jeito como se fazia na minha casa! Então era como se eu, há 62 anos, vivesse no mesmo tempo em que viveram os tais norte-americanos, 400 anos antes!

No meu mundo a gente vivia perto do nascimento do coisas. Vou explicar. Veja o caso do fogo, sobre que já falamos. Na minha infância o fogo tinha que renascer a cada manhã. Ele nunca estava pronto. A dona de casa que, de manhã, tirava as brasas de sob a cinza e arranjava os paus, os gravetos, os pauzinhos e o capim em volta e sobre as brasas, estava fazendo o fogo nascer. Porque as brasas não são fogo. Não produzem chamas. São fracas demais para cozinhar. As brasas são apenas sementes de fogo que podem virar fogo se houver alguém que saiba como incendiá-las! E a dona de casa então soprava as brasas para que o capim se incendiasse, e o capim incendiado acendesse os pauzinhos que, por sua vez, acenderiam os paus! Quando isso acontecia era uma alegria. O fogo nascia porque ela sabia fazê-lo nascer! Ela conhecia os seus segredos! Aquela mulher era uma parteira do fogo!

Nas casas de hoje o fogo já aparece pronto. Não é preciso saber coisa alguma do mistério do seu nascimento. A gente torce um botão e aperta outro: o fogão a gás se acende. Basta apertar um botão do isqueiro para que o fogo apareça. A gente esfrega o fósforo na lixa ao lado da caixa e o pauzinho pega fogo. O fogo já vem pronto. A gente nunca vê o fogo sendo parido pela arte de uma pessoa.

Nunca vi uma criança assentada quieta olhando o fogo de um fogão a gás. Fogo de fogão a gás não tem graça. Mas vejo vocês, crianças, olhando, fascinadas, o fogo da fogueira, o fogo do fogão de lenha, o fogo da lareira! Por que será? Vocês têm uma explicação?

E a água? A água, nas nossas casas, não tem mistério. A gente abre a torneira e a água sai. Ou vai ao supermercado e compra água engarrafada. Olhem agora, a minha casa de pau-a-pique e fogão de lenha: onde estão as torneiras? Não há torneiras! Se não há torneiras, como é que a gente vai ter água? Se a gente quisesse ter água a gente tinha de ir até o lugar onde a água nascia! Pois a água nasce! Nasce de dentro da terra. O nosso corpo está cheio de veias. Nas veias corre o sangue. Quando a gente corta um dedo, o sangue jorra. Pois a terra é igual ao nosso corpo. Dentro dela há veias. Dentro das veias da terra corre a água: os veios d'água! A água é o sangue da terra. É a água que faz a terra viver. O lugar onde as veias da terra são cortadas e a água jorra se chama mina. Na mina a gente vê a água saindo de dentro da terra. Na mina a gente vê a água nascendo. Vocês já viram uma mina? Já viram a água nascendo? Não. Vocês nunca viram a água nascendo. O que vocês vêem é a água saindo da torneira, a água dentro da garrafa. Água sem mistério! Porque quando a gente olha para a mina, e vê a água saindo de dentro da terra, a gente sente que está diante de um milagre. Se vocês quiserem ver um milagre acontecendo, tratem de procurar uma mina...

A água saindo de dentro da terra vai, aos poucos, cavando um buraco à sua volta. Como se fosse uma bacia. Nessa bacia se acumula a água pura, cristalina, transparente, fresca. Olhando lá no fundo e gente vê o lugar exato onde a água sai de dentro da terra. Coisa parecida com uma erupção vulcânica: erupção de água. E nesse lugar onde a água jorra, as areinhas são jogadas para cima. À volta da mina tudo é vida, tudo é verde. Terra e água fazem vida. Crescem as avencas, crescem samambaias, crescem plantas de todos os tipos. E se a gente está com sede, é só fazer as mãos em concha, mergulhar na água da mina, pegar a água e beber. É impossível beber água numa mina sem ter pensamentos de gratidão por haver na natureza coisa tão bela.

Meu pai trabalhava no campo. Com foice e enxada. O sol era forte. O corpo coberto de suor. Ficava com sede. Pensava na mina. Mas não ia beber. Trabalhava mais. Queria ficar com mais sede. E aí, quando a sede era insuportável, ele ia para a beirada da mina, e bebia a água friinha... Ele me contou que isso, ele, com sede insuportável, bebendo a água da mina, era uma das maiores felicidades de que ele se recordava, em toda a sua vida... É preciso que vocês dêem um jeito de conhecer uma mina. Eu juro: uma mina é uma coisa mais maravilhosa que tudo aquilo que vocês possam ver num Playcenter. A água nascendo...A vida nascendo...A natureza nascendo. Pois, se vocês não o sabem, é nas minas que a natureza nasce...

 

Desejo dar-lhe um estranho conselho, um conselho que nunca imaginei que um dia eu fosse dar. Esse é o conselho: Se a sua cozinheira tiver o costume de cantar enquanto cozinha, não permita. Cozinheiras que cantam em serviço podem, um dia, se transformar num imenso problema para você, com conseqüências financeiras inimagináveis... Se você acha que perdi o juízo, espere um pouco e você compreenderá.

As explicações, freqüentemente, começam muito longe... Começo com uma conversa entre dois jagunços do Grande Sertão - Veredas, do Guimarães Rosa. Um deles confidencia ao seu companheiro: "Matar eu mato. Mas nunca fico com raiva..." O seu colega, duro de entendimento por lhe faltarem sutilezas psicológicas, não entende e pede explicação. O outro responde curto e grosso: "Quem fica com raiva leva o outro para a cama." Eu já disse que o ódio gruda mais que o amor. Você está amando... O amor é feliz, cheio de memórias bonitas. Você vai para a cama e dorme sorrindo. E sonha... Mas aí acontece algo, alguém lhe faz uma coisa que lhe dá muita raiva. A raiva toma conta de tudo, sentimentos e pensamentos. Não o deixa. Sua vontade é gritar, bater, destruir. É hora de dormir. Seus olhos estão pesados. Você quer dormir. Mas a raiva não o deixa. Você vai para a cama e ao seu lado se deita... a pessoa de quem você está com raiva. Você quer pensar coisas bonitas, quer pensar na pessoa amada. Mas aquela pessoa, ao lado, não deixa...

Pois é isso que está acontecendo comigo. Estou com muita raiva. E, por causa da raiva, estou levando para a minha cama um garçom que se diz cantor. E, ao meu lado, ele canta valsas do Sílvio Caldas...

Tive um restaurante, o Dali Restaurante-Bar. Quando sonhei o Dali, tudo era alegria: as fontes, as árvores, os jardins, os quadros, os drinks, a comida, os amigos reunidos e a música. Sim, música. Sem a menor vergonha digo que tínhamos ali os melhores músicos de Campinas. Jamais aceitamos a idéia de ter música de segunda classe, para economizar. Os sonhos são assim: neles só o que é bom aparece. Os problemas surgem quando se tenta transformar o sonho em realidade.

Antes de continuar preciso fazer uma confissão. Sou um mau psicanalista. Talvez seja bom no consultório. Mas quando estou solto na vida a virtude que marca a arte da psicanálise me abandona. A psicanálise é uma arte perversa. Ela se baseia na desconfiança. Não acredita nas aparências. Vê um sorriso e logo pergunta: "Que coisas sinistras esse sorriso está escondendo?" Bachelard chegou a descrever um psicanalista como uma pessoa que, quando se lhe dão uma flor, logo pergunta: "Mas onde está o estrume?"

Sou mau psicanalista porque tenho a tendência de acreditar no rosto (me esquecendo de que um rosto é sempre uma máscara...). Foi assim que fui me relacionando com os funcionários do Dali, os garçons, os bar-men, os músicos, os cozinheiros, os ajudantes de cozinha. Eu achava que eram meus amigos. Todos sorriam para mim. Paguei muito caro a minha ingenuidade. Há rostos sorridentes onde se escondem cobras. Descobri, na minha pele, que a realidade não é a amizade. É aquilo a que Marx deu o nome de "luta de classes". A lição de política que não aprendi na universidade fui aprender pelo sofrimento no Dali...

O fato era que eu me comportava como um "paizão". Quem me pôs esse apelido foi o Edemilson, pedreiro que construiu o Dali e que sempre me foi leal. Queria ajudar a todos. Nos apertos todos me procuravam. E eu sempre dava um jeito.

Pois apareceu lá no Dali um garçom pedindo emprego. Era um homem de meia idade, estatura mediana, fala mansa, rosto triste, desempregado, pai de filhos. Fiquei com pena dele. E não só isso: gostei dele. Suas maneiras eram refinadas, o que revelava algo de suas origens. De fato, nas suas origens estava algo diferente. Ele não fora sempre um garçom. Um dia ele me mostrou um disco de vinil. Na capa, uma fotografia dele, jovem. Fora cantor. Fiquei com dó. Quem, um dia, gravou um disco, sonhou em ser grande cantor. Sonhou com palcos, shows, fama, dinheiro. Quem sabe, um dia, ele seria como Roberto Carlos. E vou batizá-lo de Roberto Carlos porque não posso dizer o seu nome verdadeiro. ele apareceu com um daqueles discos antigos de vinil. Mas ele não conseguiu ser cantor. Fracassou. Restou-lhe ser garçom. Olhava para aquele homem triste de fala mansa atendendo os clientes e me comovia, pensando que dentro dele havia um cantor estrangulado. E até lhe emprestei R$500,00 para fazer face a uma emergência, uma cirurgia de hemorróidas, coisa muito doída. E foi assim que, movido por compaixão, uma noite em que estava alegre, disse aos meus músicos, profissionais de primeira: "Se não for criar problema para vocês, deixem o Roberto Carlos cantar alguma coisa. Ele vai ficar feliz. Parece que ele canta músicas dos tempos do Sílvio Caldas..." E foi o que aconteceu. Para o Roberto Carlos foi a glória. De vez em quando os músicos lhe davam uma colher de chá. Fiquei com tanto dó dele que pedi ao pessoal do Correio Popular que escrevesse algo sobre ele. O que aconteceu. (Mal sabia que esse gesto de generosidade seria usado por ele para me apunhalar...)

Mas aí aconteceu o que sempre acontece em restaurantes: invejas entre os funcionários, brigas, desentendimentos. Havia um bar-man complicado, sistemático, de difícil relacionamento. A equipe embirrou com ele. "Paizão", entrei em cena para acalmar a família. Reuni os funcionários, inclusive o dito bar-man. Conversei com eles. Pedi diálogo e paciência. Terminada minha curta fala dei oportunidade para que quem quisesse falar falasse. E foi assim que eles, timidamente, começaram a articular suas queixas com o bar-man, que a tudo ouvia com absoluta elegância. Foi então que, de repente, rompendo o clima existente, houve uma explosão. O Roberto Carlos parecia possuído por um demônio. Começou a gritar, a dizer palavrões ao bar-man, terminando por ameaçá-lo de agressão física. Levei um susto. Ordenei que o Roberto Carlos se calasse. Foi como se eu não existisse. Repeti minha ordem uma, duas, três vezes, inutilmente. Então, diante desse desrespeito público à minha autoridade de patrão e da possibilidade de agressão, eu lhe disse: "Levante-se, recolha suas coisas e se vá. Você está despedido."

Um caso claro de demissão por justa causa. Mas, para isso, seria preciso que os funcionários testemunhassem perante o juiz. Mas ninguém quis. Funcionários de restaurante não testemunham contra colegas, a favor do patrão. Antes da verdade e da justiça, os interesses da classe. Conformei-me, então, em pagar os direitos que a Justiça do Trabalho determina. Mas eu não estava preparado para o que se seguiu. Ele, através do seu advogado (sem quem não se faz justiça), além dos direitos de garçom, pedia que ele fosse indenizado como "cantor do restaurante". E uma das peças do processo, prova contra mim, foi a tal reportagem que fiz publicar no Correio Popular, porque tive pena dele. Assim, estou me tornando um melhor psicanalista. Olhando para os olhos de pomba, fico preparado porque sei que lá dentro está aninhada uma cobra com bote armado. O juiz já deu a sentença. Segundo a sentença eu fui injusto. Não paguei ao artista Roberto Carlos aquilo que deveria ter pago - cantor que ele era. Já fiz o depósito de R$3.000,00, para ter direito a recorrer. Vocês não imaginam a raiva que dá ter de tirar um dinheiro ajuntado para pagar a mentira de um mentiroso. Por isso não estou conseguindo dormir. Fico rolando com o Roberto Carlos, ouvindo o Sílvio Caldas...

Compreendem, agora, porque não se deve deixar a cozinheira cantar em serviço? Porque pode ser que, ingressando em juízo, ela alegue que, além de cozinhar, ela era "artista em residência". O Roberto Carlos fez isso comigo. O que é que vai impedir que sua cozinheira faça o mesmo com você? Lembre-se de que as coisas mais inocentes podem, em juízo, ser invocadas como provas contra você.

17 de março de 2010

Um grupo de amigos de 40 anos discutiam e discutiam para escolher o restaurante onde iriam encontrar-se para jantar. Finalmente decidiram-se pelo Restaurante do Velho Mikão porque as garçonetes usavam mini-saias e blusas muito decotadas.

10 anos mais tarde, aos 50 anos, o grupo reuniu-se novamente e mais uma vez discutiram e discutiram para escolher o restaurante. Finalmente decidiram-se pelo Restaurante do Velho Mikão porque a comida era razoável e tinha vinhos de colônia.

10 anos mais tarde, aos 60 anos, o grupo reuniu-se novamente e mais uma vez discutiram e discutiram para escolher o restaurante. Finalmente decidiram-se pelo Restaurante do Velho Mikão porque ali tinha toalhas plásticas nas mesas, música suave e sala de fumadores.

10 anos mais tarde, aos 70 anos, o grupo reuniu-se novamente e mais uma vez discutiram e discutiram para escolher o restaurante. Finalmente decidiram-se pelo Restaurante do Velho Mikão porque lá havia uma rampa para cadeiras de rodas, agarradores nos WC e fraldário.

10 anos mais tarde, aos 80 anos, o grupo reuniu-se novamente e mais uma vez discutiram e discutiram para escolher o restaurante. Finalmente decidiram-se pelo Restaurante do Velho Mikão. Todos acharam que era uma grande idéia porque nunca lá tinham estado antes.

16 de março de 2010

Antigamente, no Brasil, para se ter melado, os escravos colocavam o caldo da cana-de-açúcar em um tacho e levavam ao fogo. Não podiam parar de mexer
até que uma consistência cremosa surgisse.

Porém um dia, cansados de tanto mexer e com serviços ainda por terminar, os escravos simplesmente pararam e o melado desandou.

O que fazer agora? A saída que encontraram foi guardar o melado longe das vistas do feitor.

No dia seguinte, encontraram o melado azedo fermentado).

Não pensaram duas vezes e misturaram o tal melado azedo com o novo e levaram os dois ao fogo.

Resultado: o "azedo" do melado antigo era álcool que aos poucos foi evaporando e formou no teto do engenho umas goteiras que pingavam constantemente.

Era a cachaça já formada que pingava. Daí o nome "PINGA".

Quando a pinga batia nas suas costas marcadas com as chibatadas dos feitores ardia muito, por isso deram o nome de "ÁGUA-ARDENTE".

Caindo em seus rostos e escorrendo até a boca, os escravos perceberam que,com a tal goteira, ficavam alegres e com vontade de dançar.

E sempre que queriam ficar alegres repetiam o processo.

15 de março de 2010

       
        Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu você deu flores que ela deixou a seco. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara? Não pergunte pra mim você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor? Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso.
Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
(Arnaldo Jabor)
Ando com vontade de ligar para minha mãe. Mas, minha mãe já morreu. Meu filhinho me perguntou hoje: "Cadê sua mãe, aquela que mandou seu mico embora porque ele mordeu seu dedo?" "Ela já foi para o céu..." - respondi-lhe com o velho lugar-comum. "E seu papai, aquele que andava no aviãozinho que ia até a Lua?" "Também foi para o céu...", repito pensando que um dia ele vai descobrir que vamos para baixo e não para cima. Mas, tenho mesmo vontade de ligar, pois, talvez, no telefone, possa haver um milagre e sua voz soar em meu ouvido: "Alô? 28-4858?" "Mamãe?" Na época desse número remoto do Méier, sua voz era jovem e feliz. Depois, foi enfraquecendo por outros números, até o tempo em que, já velhinha, atendia triste e doente o 47-8378: "E aí, meu filho, tudo bem?..." Como seria bom o telefone me salvar e alguém me chamar de "meu filho..." Seria bom entrar pelos fios do passado e fugir das dores que sinto com o País, o mundo e comigo mesmo. Confesso que, em momentos de desespero, eu já liguei escondido para números antigos. Ouvia a voz anônima e falava: "Desculpe, é engano...", com a sensação de, por instantes, ter visitado minha velha casa.

Minha mãe era linda. Parecia a Greta Garbo. Um dia, meu avô bateu nuns vagabundos que mexeram com ela, ainda mocinha, na base do "Tem garbo mas não tem greta" e outras sacanagens de época... Meu avô, malandro e macho, pegou a bengala e cobriu-os de porrada.

A vida de minha mãe foi a tentativa de uma alegria. Sorria muito, trêmula, insegura e, nela, eu vi a história de tantas mulheres de seu tempo tentando uma felicidade sufocada pelas leis do casamento, pela loucura repressiva dos maridos. Meu pai, que era um homem bom e amava-a, nunca conseguiu sair do espírito autoritário da época e, inconscientemente, se enrolou numa infelicidade que oprimia os dois.

Na classe média carioca dos anos 50, cercados de preconceitos, medos e ciúmes nas casas sombrias, os casais estavam programados para tristezas indecifradas. Eram cenários estreitos para o amor: a casa do subúrbio, o apartamento micha de Copacabana, onde vi minha mãe enlouquecer pouco a pouco, tentando manter um sonho de família, tentando manter a cortina de veludo, a poltrona coberta de plástico para não gastar, os quadros de rosas e marinhas e a eterna desculpa para os raros visitantes: "Não reparem que a casa não está pronta ainda..." (isso, com 50 anos de casada). A casa nunca ficou pronta, como ela, Greta Garbo do subúrbio, sonhou: a casa feliz, com bolos decorativos nas festas, seu orgulho, a única coisa que ela sabia fazer; eram bolos em fôrma de avião, para homenagear meu pai piloto, em fôrma de livro, para me fazer estudar, ou em fôrma de piano para minha irmã tocar, naqueles aniversários em que os sofás de cetim marron e branco eram descobertos com discreta vaidade.

Na juventude, minha mãe era infeliz e não sabia, pois todas as suas forças eram convocadas para esquecer isso. Cantava foxes, para desgosto de meu pai e ria com medo - se bem que ninguém era feliz naquela época. Não havia essa infelicidade esquizofrênica de hoje, mas era uma infelicidade tristinha, com lâmpada fraca, uma infelicidade de novela de rádio, de lágrimas furtivas, de incompreensões, de conceitos pobres para a liberdade. Eu via as famílias; sempre havia uma ponta de silêncio, olhos sem luz, depois dos casamentos esperançosos com buquês arrojados para o futuro que ia morrendo aos poucos.

Não era a tristeza da pobreza; dava para viver, com o Ford 48 sendo consertado permanentemente por meu pai sujo de graxa nos domingos com o rádio narrando o futebol, dava para viver com uma empregadinha mal paga, dava, mas era uma tristeza obrigatória, quase uma "virtude" que as famílias cultivavam, sem horizontes.

Toda minha vida consistiu em fugir daquela depressão e em tentar salvá-los.

Eu queria dizer: "Saiam dessa, há outras vidas, outras coisas!" - logo eu, que achava que ia descobrir mundos luminosos feitos de revoluções e de prazeres, eu que achava que viveria numa vertigem de alegrias modernas, do sexo que se libertava, da bossa nova, da arte, ilusões que foram logo apagadas pelo golpe de 64 que, com apoio do meu pai, restaurou a luz mortiça das famílias, das esposas conformadas em seus cativeiros. Minha geração se achava o "sal da terra", tocada pela luz da modernidade. Mal sabíamos do outro desamparo que viria; não a melancolia do rádio aceso no escuro, não a televisão Tupi ainda trêmula, não as esquinas cheias de mistério, não o apito do guarda-noturno, mas a nossa impotência diante do excesso de acontecimentos, do inferno das expectativas, das informações sem conhecimento.

Hoje, vivemos essa liberdade desagregadora, com a esperança de paz da classe média destruída, vivemos o medo das ruas, das balas perdidas, que não havia, quando mamãe ia visitar a médium de "linha branca" que lhe prometia progresso e alegria nas cartas. Antes, minha mãe e meu pai tinham a ilusão de uma "normalidade". Hoje, todos nos sentimos sem pai nem mãe, perdidos no espaço virtual, dos e-mails, dos contatos breves, da vida rasa sem calma. O que vai nos acontecer neste mundo de Bush e Osama, neste país de crimes e de riscos-Brasil, onde nada se soluciona, onde tudo é impasse e encrenca? Será que nunca mais teremos sossego? Sinto imensa saudade da linearidade, do princípio, do meio e do fim das vidas, e tenho medo de ter morrido e de não perceber. Por isso, me dá essa vontade profunda de pegar o telefone e discar, não num celular volúvel, mas num aparelho preto, velho, de ebonite, discar e ouvir a voz de minha mãe, entrar pelo fio e aparecer na salinha de móveis "chippendale" e Luís XV falso e vê-la sempre querendo ser feliz, mas com vergonha das visitas: "Não reparem que a casa não está pronta..." Na verdade, tenho vontade de discar, mas é para saber quem sou eu. E quando disserem: 'Quem fala?" pensarei: "É o que me pergunto..." Mas, sei que vou desligar, dizendo: "Desculpe, é engano..."

Autoria: Arnaldo Jabor
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas do redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E a medida que se acostuma, esquece o sol, o ar, e esquece a amplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã de sobressalto porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado. A comer sanduíche porque não dá tempo para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido.
A gente se acostuma a abrir o jornal e ler sobre a guerra. E aceitando aguerra, aceita os mortos e que haja número para mortos. E, aceitando osnúmeros, não acreditamos nas negociações de paz. E, não aceitando asnegociações de paz, aceita a ter todo dia, o dia a dia da guerra, dos números de longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e o de que se necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com o que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. (...)
A gente se acostuma a poluição. À salas fechadas de ar condicionado. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir os passarinhos, a não ouvir o galo de madrugada, a não colher fruta no pé.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor daqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo, conformado. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no final de semana. E, se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e fica satisfeito porque, afinal, está sempre com o sono atrasado.
A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta e que, gasta de tanto se acostumar, se perde de si mesmo.
(Marina Colassanti)
“Aprendi a querer o que Deus quer, e tudo o que quiserdes, 
certamente se realizará.” 

“Se, pois quiserdes colher à esquerda, semeai à direita:
meditai neste conselho que tem a aparência de um paradoxo
e que vos faz entrever um dos maiores segredos da filosofia oculta.”

Deus é o Universo, é a alma da Luz, é a verdade absoluta.
Deus é o capaz, é a razão, é o paradoxo de nossas vidas.

Temos o livre arbítrio, mas como toda regra, se tem exceções.
Somos donos do nosso destino, mas o que somos nem sempre
é o que gostaríamos de ser.
Tudo realmente está escrito nos astros e é por esta razão 
que os anjos nos ajudam 
a enfrentar nossas vidas, para que possamos evoluir.
O grande segredo da Magia, é o AMOR, porém é preciso distinguir
o amor que imortaliza do que mata.

Deus sempre enviou anjos à Terra, para que homens
se sintam protegidos e amados na mais remota solidão.
E o que é a solidão senão um aprendizado de elevação.
Aprendi que nada nessa vida acontece por acaso
e se o acaso ocorre, geralmente nós o procuramos.
O amor e o ódio vivem lado a lado.
Quantas vezes pedimos aos anjos 
ou a Deus que nos ajude em alguma coisa? 
Mas quantas vezes agradecemos pelo ar, por esse Sol,
essa terra maravilhosa que está aí, de graça?
Pela dor, aprendemos, mas pelo amor, 
esquecemos de aprender ou de ensinar! 

Nesse momento, coloco toda minha existência e razão de ser,
para que as pessoas possam sentir o alívio, sentir a Paz,
sentir que o material não é nada 
comparado com uma alma leve, solta. 
Todos os dias estamos aprendendo, vivendo e vivenciando
momentos que de repente se perdem com o passar do tempo.
Vivemos reclamando por um amor perdido,
por falta de dinheiro, por falta de CORAGEM.
Deus nos fez a Sua imagem, então,
podemos concluir que somos parte de Deus 
e esse Deus está em nosso consciente.
Se sofremos, Deus sofre.
Se choramos por um amor perdido, Deus chora.
Se cruzamos os braços, Deus cruza também.
Na realidade, o que estou esclarecendo nesse momento, é que na ERA de Aquário, o nosso maior inimigo oculto, somos NÓS mesmos.
Amor não se perde, é eterno. Braços cruzados nos aleijam. 
Chorar, geralmente contrai músculos e chega a envelhecer.
Covardia é Guerra perdida.
A ausência de religião hoje em dia, nos ensina erroneamente a vida, pois nos tornamos cada vez mais materialistas
e é por está razão que os Anjos chegam, para resgatar essa ausência de existência.
Temos que aprender a nos respeitar, a nos amar,
a nos influenciar por verdadeiros valores.
Anjos não tem idade, sexo, ou religião.
Eles são emissários e mensageiros de Deus.
É por intermédio deles que Deus nos ajuda.
É por intermédio deles, que evoluímos a cada vida.
Para cada dia há um Anjo e para cada Anjo há um ser.
Nesse momento, iremos entrar numa lógica do ocultismo.
Vamos verificar como e porque a sua Paz depende tanto
da sua Boa Vontade e de sua Coragem.
Gabriel, um Príncipe angelical, 
avisou a Maria que ela iria Ter um filho de Deus. 
Raphael e tantos outros tiveram e tem suas mensagens para nos dar.

“Temos aqui, uma megacrise e os anjos vieram para nos resgatar
e se não acreditarmos neles como expressão de “fraternidade”
tudo será aniquilado!” 

(Jimmy Carter)
"Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção.
A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição. Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. (?)
Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo. Se você não tem namorado, é porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200 kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio. Se você não tem namorado, é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido." 

Autor: Artur da Távola, escritor

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT435457-1664,00.html

Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava. Você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda. Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima. Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia. Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.
(Martha Medeiros)
 
Alô, é Jesus! 
Se o telefone tocasse, hoje, na sua casa e, quando você atendesse, pensando que fosse um amigo de sua convivência diária, aquela voz terna que você nunca ouvira antes lhe dissesse: "Alô, é Jesus".
O primeiro impulso seria, talvez, desligar o aparelho, todavia, algo muito estranho impediu-lhe dessa reação e você resolveu ouvir, atentamente.
- Sim, sou eu, Jesus Cristo!
Como está sua família? Eu não precisaria perguntar-lhe, porque sei de todas as coisas. Quero ouvir isto de você.
- Hein, como está sua família, seu lar? O tempo de vida aí, na Terra, é cronometrado por instrumentos celestiais de alta precisão e o aconselho a gastá-lo muito bem. Aquele vazio da discussão inútil, da agressividade, da incompreensão, foi contado como tempo de vida. Não se desconta, no tempo, nenhum segundo mal vivido.
- Alô, você está me ouvindo? Não desvie sua atenção. A ganância, o egoísmo, o individualismo, o ódio, embaçam a visão espiritual e o impedem de avistar o Calvário. Comece a trabalhar na limpeza da vidraça de seus olhos cansados de olhar na direção contrária.
- Você sabe que não preciso de nenhum telefone para me comunicar com ninguém.
- Mas, não desligue o telefone, quero ainda lhe falar. Eu sei que você sonhou com uma casa luxuosa, no melhor bairro, na rua mais valorizada, no melhor estilo e conseguiu.
Agora, você está sofrendo as conseqüências: barulho estridente, fumaça, poeira, e é obrigado a conviver com tudo isto. Não se prenda a nada, não se desespere, porque os bens da Terra só lhe trazem angústias e aborrecimentos.
- Não fique triste, tão aflito assim, com as futilidades que o cercam. Se você não conseguiu trocar o carro por outro mais bonito, lembre-se de que este seu o transportará por muito pouco tempo. Aqui, no céu, as ruas são de ouro, de brilhante e de cristal. Aqui, Anjos flutuam nas gloriosas mansões celestiais, em perfeita harmonia. Para entrar nesse território só darei o visto no passaporte da fé".A discagem direta com o céu (DDC) tem linha direta com a sua consciência e, se você quiser falar comigo, cada dia mais perto, dobre os joelhos, diminua a distância, através da oração. 

Ivone Boechat
(extraído do livro Educação Comunitária-5a ed.)
Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha.
Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia: “Você não tem coisa nenhuma no fígado”. Então, com a intimidade que tinha com essa tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia. A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café — e vi­nha o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie. A menina morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar.
Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engor­dá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cômica que a coisa toda tomava:
— Mas é o galo, que é um nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! e é tão rá­pi­do que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!
Um dia a família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia infor­mou:
— Nós comemos Petronilha.
A menina era uma criatura de grande capacidade de amar: uma galinha não corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe:
— Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma pena.
Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sem­pre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol, embru­lhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles gran­des fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estava apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã do dia seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu de que apressara a morte do ser querido.
Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina.
O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não ape­nas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é sozinha no mundo.
Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer qua­se físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o san­gue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser fei­to para amar até que se tornou moça e havia os homens.
 
Lispector, Clarice. Uma História de Tanto Amor. In Felicidade
Clandestina  Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998
Ainda não estamos habituados com o mundo.
Nascer é muito comprido.
(Murilo Mendes - "Reflexão número 1")

Cena 1 HISTÓRIA DAS IDÉIAS

Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.

Cena 2 TURISMO ECOLÓGICO

Os missionários chegaram e cobriram das selvagens o que lhes dava vergonha. Depois as fizeram decorar aAve Maria. Então lhes ensinaram bons modos, a manter a higiene e lhes arranjaram empregos nos hotéis da floresta, onde se chega de uísque em punho. Haveria uma lógica humanitária exemplar no negócio, não fosse o fato das índias começarem a deitar-se com os hóspedes. Nada faz com que mudem. Seus maridos, chapados demais, não sentem os cornos. De qualquer maneira, todos levam o seu. Só mesmo esse Deus civilizador é quem parece ter perdido outra chance.

Cena 3 REFLEXO

Juruena está estranhando seu reflexo. Não num espelho específico, mas em qualquer superfície que a devolva. Se pega e se perde em vidraças, balcões de metal, louças... Há mesmo algumas modificações entre a expressão que faz e aquela em que aparece. Dança, pula, esbofeteia o ar... e chega atrasada aos seus próprios gestos. É mais ridículo que preocupante. Só rindo pra se agüentar se fugindo dessa forma. Não está interessada em fazer companhia a si mesma. Diria que é melhor nem encontrar consigo até que uma das duas resolva a diferença.

Cena 4 PLANALTO CENTRAL

O nome completo de Wilson é Wilson Patachó, mas isso tá na cara.
Entre Paranã e Gurupi todo mundo o conhece como "Índio". Na verdade como "Índio do Posto Shell". Wilson, ou Indio do Posto Shell, também é conhecido por fazer negócio com os caminhoneiros. Tem duas filhas pra oferecer. Pega-se em Paranã e larga-se em Gurupi, ou vice-versa. Uma chama-se Cibele Patachó e a outra Pamela Patachó. Cibele tem todos os dentes. Pamela nenhum e, justamente por isso, é a preferida pra coisa que aqueles homens brancos mais gostam de fazer.

Cena 5 CHACINA

Quando os quatro combinaram, o quinto já estava morto, mas ele não sabia e seguiu vivendo. E como tudo o que vive cansa, dormiu. De forma que por isso demorou a abrir a porta quando bateram de madrugada. Correu por correr, porque tudo o que é vivo corre da morte, ainda que seja corrida de sair perdido. O que falava pelos quatro era o que tinham nas mãos, de forma que ninguém disse nada. Tiro foi muito, que vizinhança nunca ouviu.
Endureceu embaixo da cama mesmo, naquela posição de quem quisesse morder esse vento que nos entra pela boca bem agora.

Cena 6 OS SILVÍCOLAS

Um índio burro de dar dó! Toda manhã ele aparece no bar e gasta em cerveja tudo o que a sua mulher ganhou durante a noite. Bebe até perder o juízo, passa a tarde urinando e volta pra cobrar o que gastou. Não há meio de fazê-lo entender que, ao encher a cara, usou cada maldito tostão do que era seu (ou da mulher, sei lá...). Que funciona desse modo: coisas passam de uma mão à outra por troços num momento... isto é: aqueles papéis coloridos e bolinhas de metal agora pertencem ao sujeito atrás do balcão. É tão certo em sua burrice que até confunde a gente!

Cena 7 UMA PRAGA

Não se iluda. É a mulher mais estragada que você já viu. Também não faz nada pra mudar a situação. Sobra dedo na tua mão se for contar dentes nela. Seca que de lado não se vê. Mancha, vergão e cicatriz nem se distingue da pele pura. A capa leitosa nos olhos foi porcaria que fumou. Põe a foto da revista de sacanagem no vidro e diz quanto é. Nunca mais vai dizer outra coisa nesse dia. Não tem erro. Os olhos. Só pode ser aquele olho de vidro estilhaçado... É que você olha lá dentro, escorrega, se corta inteiro. Cai mesmo, entende? Meu amigo, você não levanta mais! É uma praga.

Cena 8 O TIRADENTES

No início dos anos 70, os garimpeiros arrancavam seus próprios dentes.
A sangue frio, é claro. De modo que quando Paulão viajou pro norte com uma bolsa cheia de Citanest, teve sucesso imediato. Mesmo quando os veios de ouro secaram, Paulão continuou oferecendo anestesia. Agora seus maiores fregueses são os índios. A maioria nem tem mais dentes pra tirar. Ele ainda vem pra São Paulo e volta com duas ou três malas da coisa (as aplica em troca do pagamento que houver). Pra ele, o caso é que os índios não estão suportando o gosto de sua própria saliva nesses tempos.

Cena 9 CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem campos de futebol onde cadáveres amanhecem emborcados pra atrapalhar os jogos. Tem uma pedrinha cor-de-bile que faz "tuim" na cabeça da gente. Tem também muros de bloco (sem pintura, é claro, que tinta é a maior frescura quando falta mistura), onde pousam cacos de vidro pra espantar malaco. Minha terra tem HK, AR15, M21, 45 e 38 (na minha terra, 32 é uma piada). As sirenes que aqui apitam, apitam de repente e sem hora marcada. Elas não são mais as das fábricas, que fecharam. São mesmo é dos camburões, que vêm fazer aleijados, trazer tranqüilidade e aflição.

Cena 10 PROMESSA

Todo santo sábado Mariano leva um pedaço de cera na Igreja de São Judas Tadeu. Leva um braço, reza; leva uma coxa, reza; um peito... e assim por diante. Nos próximos dois meses deve completar o corpo, pondo cabeça por cima e sandálias por baixo de tudo. Nesse dia pensa acender uma vela da mais grossa no tamanho de Jacira, que nunca existiu. Acha que quando pedir pela última vez, essa Jacira sem pulmões vai sair andando, batendo os saltos pelas cerâmicas. Mariano também acha que pode aproveitá-la por um bom tempo até que derreta no sol.

Cena 11 O DIA DAS BRUXAS

Eu só vim pra te dizer que todas as coisas que você disse aconteceram. Todas aquelas meias palavras que você usou, tentando "me proteger", ora... elas formaram uma nuvem inteira de desgraça na minha vida. Claro que eu perdi um a um os apoios dos meus cotovelos. Aliás você já sabia. Perdi mesmo a vergonha de vir aqui. Nem sei se você me enganou... Você é das boas! Você e essas cartas encardidas. Vocês valem os malditos 100 paus que eu dei e que agora me fazem falta. Você é uma bruxa miserável de boa. Só vim pra te dizer isso.

Cena 12 BUSINESS HEADLINES

As bolsas estão caindo, os aviões estão caindo, os lavadores de vidraça estão caindo. Uma borboleta bate asas em Seul e bibelôs despencam das cômodas em Osasco. Analistas e especuladores enchem os bolsos. Mediterranées não têm vagas até 2003. Por qualquer cinqüenta paus se arranja um Saint Laurent de deixar de herança. Na próxima segunda-feira, tudo indica, 1929 será uma piada. Henrique mal fez seu milhão de dólares e já está sendo colhido pela fúria desses elementos. É por isso que massacra seu cartão de crédito contra o pó da mesa enquanto corta custos.

Cena 13 1964

É mesmo possível que tenha sido um ano maravilhoso, não sei... A Bossa Nova que se pegava no rádio, os filmes ganhando prêmios, a facilidade com que se partilhava um berro e aqueles divórcios devastando gerações...
Os marcadores de Garrincha com a espinha quebrada. A simplicidade das capas dos livros e dos desejos das pessoas. É verdade: os militares já vinham com aquelas idéias, mas ainda não tinham feito o pior. Se você diz, é mesmo possível... Eu era muito pequeno e só consigo lembrar que as coisas, quando caíam, faziam um estrondo terrível nos meus ouvidos.

Cena 14 OS BRASILEIROS

Dois em cada três brasileiros já fumaram maconha. Três em cada cinco brasileiros acreditam em Deus. Cinco em cada oito brasileiros morderam a hóstia durante a comunhão. Oito em cada treze brasileiros preferem sexo anal. Treze em cada dezessete brasileiros habilitados pensaram em jogar um carro no poste só pra ver o que acontece. Dezessete em cada vinte brasileiros não sabem que o Homem da Terra de Marlboro é um ator. Vinte em cada vinte e dois brasileiros não têm terra. Vinte e dois em cada vinte e três brasileiros têm certeza que seu azar é específico.

Cena 15 O FIM

A TV apresenta uma "zona de morte" em torno da Ilha de Marajó.
Peixes bóiam às toneladas. Búfalos afundam na lama. Pássaros arremessam-se contra postes. Cavalos quebram as pernas. A vegetação ajoelha com a chuva.
Carros giram como peões até que as árvores degolem seus ocupantes. Aviões desistem. Revólveres disparam acidentalmente. Cocares suicidam-se num Atlântico onde barcos batem de frente. Háos que procuram um Moisés que lhes empurre. Alguém lembra o fim dos dinossauros. Especialistas estão desorientados que não exista mão humana nessa desgraça.

(Fernando Bonassi )