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3 de fevereiro de 2010

Paulo Mendes Campos – A cesta

Quando a cesta chegou, o dono não estava .Embevecida, a mulher recebeu o presente.Procurou logo o cartão, leu a dedicatória destinada ao marido, uma frase ao mesmo tempo amável e respeitosa.

Quem seria? Que amigo seria aquele que estimava tanto o marido dela?Aquele cesta, sem dúvida nenhuma, mesmo a uma olhada de relance , custava um dinheirão.Como é que ela nunca tivera notícia daquele nome? Ricos presentes só as pessoas ricas recebem.eles eram remediados, viviam de salários , sempre inferiores ao custo das coisas.Sim, o marido, com o protesto dela, gostava de bons vinhos e boa mesa, mas isso com o sacrifício das verbas reservadas a outras utilidades.

De qualquer forma, aquela cesta monumental chegava em cima da hora. E se fosse um engano? Não, felizmente o nome e o sobrenome do marido estavam escritos com toda a clareza e o endereço estava certo.

Alvoroçada, examinou uma a uma as peças de envoltas em flores e serpentinas de papel colorido.Garrafas de uísque escocês , champanha francês , conhaque, vinhos europeus, pâté , licores, caviar , salmão , champignon , uma lata de caranguejos japoneses ... Tudo do melhor. Mulher prudente, surrupiou umas garrafas e escondeu-as nas gavetas femininas do armário.Conhecia de sobra a generosidade do marido: à vista daquela cesta farta, iria convidar todo o mundo para um devastador banquete.Isso não tinha nem conversa, era tão certo quanto dois e dois são quatro.Mas quem seria o amigo ? Esperou o regresso do marido, morrendo de curiosidade.

E ei-lo que chega , ao cair da noite, cansado, sobraçando duas garrafas de vinho espanhol , uma garrafa de uísque engarrafado no Brasil, um modesto embrulho de salgadinhos.Caiu das nuvens ao deparar com a gigantesca cesta.Pálido de espanto, não tanto pelo material do presente (era um sentimental), mas pelo valor afetivo que o mesmo significava, começou a ler o cartão que a mulher lhe estendia.Houve um longo minuto de densa expectativa, quando, terminada a leitura, ele enrugou a testa e se concentrou no esforço de recordar.A mulher perguntava aflita:

_ Quem é ?

Mais da metade da esperança dela desabou com a desolada resposta.

_Esta cesta não é pra mim.

_ Como assim ? Você anda ultimamente precisando de fósforo.

_Não é minha.

_ Mas olhe o endereço: é o nosso! O nome é o seu.

_ O meu nome não é só meu. Há um banqueiro que tem o nome o igualzinho. Está na cara que isso é cesta pra banqueiro.

_ Mas , o endereço?

_ Deve ter sido procurado na lista telefônica .

Ela não queria, nem podia , acreditar na possibilidade do equívoco.

_ Mas faça um esforço.

_Não conheço quem mandou a cesta.

_Talvez um amigo que você não vê há muito tempo.

_Não adianta.

_Você não teve um colega que era muito rico?

_O nome dele é completamente diferente.E ficou pobre!

_Pense um pouco mais, meu bem.

Novo esforço foi feito, mas a recordação não veio.Ela apelou para a hipótese de um admirador .Afinal , ele era um grande escritor , autor de um romance que fizera sucesso e de um livro para crianças, que comovera grandes e pequenos.

_ Um fã, quem sabe é um fã ?

_ Mulher, deixa de bobagens... Que fã coisa nenhuma!

_Pode ser sim! Você é muito querido pelos leitores.

A idéia o afagou.Bem, era possível .Mas ,em hipótese nenhuma, ficaria com aquela cesta , caso não estivesse absolutamente certo de que o prêmio lhe pertencia.

_Sou um homem de bem!

Era um homem de bem. Pegou o catálogo, procurou o telefone do homônimo banqueiro, falou diretamente com ele depois de alguma demora: não é muito fácil um desconhecido falar a um banqueiro.

Aí, a mulher ouviu com os olhos arregalados e marejados:

_Pode mandar buscar a cesta imediatamente. O senhor queira desculpar se minha mulher desarrumou um pouco a decoração.Mas não falta nada.

A mulher foi lá dentro, quase chorando, e voltou com umas garrafas nas mãos :

_ Eu já tinha escondido estas.

_Você é de morte. Coloque as garrafas na cesta.

Vinte minutos depois ,um carro enorme parava à porta, subindo um motorista de uniforme.A cesta engalanada cruzou a rua e sumiu dentro do automóvel .Ele sorria , filosoficamente. Dos olhos da mulher já agora corriam lágrimas francas.Quando o carro desapareceuna esquina, ele passou o braço em torno do pescoço da mulher:

_ Que papelão , meu bem! Você ficou olhando aquela cesta como se estivesse assistindo à saída de meu enterro.

E ela, passando um lenço nos olhos:

_ Às vezes é duro ser casada com um homem de bem.

Paulo Mendes Campos. Supermercado.

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