Carolina: Um conto de Casimiro de Abreu
Na estrada que conduz de Lisboa a *** erguia-se há poucos anos uma casa de bonita aparência, com sua vinha verdejante, seu pomar odorífero, seu jardim pequeno, mas bonito, suas alamedas, curtas mas frondosas. O muro da quinta era alto bastante, e contudo os ramos das faias e dos choupos gigantes debruçavam-se sobre ele, assombrando com sua folhagem majestosa a estrada, que o mesmo muro flanqueava para um pequeno espaço.
Ao ver-se essa pequena casa cercada de perfumes, de verdura, de sombra e de poesia, podia-se sem receio dizer: seus habitantes são felizes. E eram. Viviam entregues aos prazeres mais doces da vida doméstica. Acordavam quando a natureza despertava, no meio do trinar das aves, do sorrir da manhã e do sorrir das flores; adormeciam sossegados ao som do vento da noite que zunia, dobrando a coma dos arvoredos.
Era uma bela tarde de maio de 1848. Os raios moribundos do sol no ocaso pareciam dormir nos bastos olivais que coroavam a crista dos outeiros; uma viração suave e branda refrescava a atmosfera, sussurrando por entre as folhas e alterando o espelho tranqüilo do lago onde o cisne vogava majestoso; o céu trajava o azul mais puro apenas manchado aqui e além por ligeiras nuvens brancas, similhantes a vapores, como se fossem os rolos de incenso que os turíbulos da terra enviavam aos pés do Senhor, impelidos pelas auras bonançosas. Era na verdade uma tarde de primavera, da primavera, mocidade do ano, dessa quadra amena e deleitosa, que por toda a parte entoa o canto grandioso da criação!...
No fim duma das alameda da quinta, debaixo dum lindo caramanchão, acabavam de assentar-se um rapaz de 20 a 22 anos e uma menina de 17 ou 18. Tinham os braços entrelaçados e olhavam-se com esses olhares ternos dos amantes.
Que lindo par! Ele, belo com essa beleza que distingue o homem; ela, bela com essa beleza que Deus dá só às mulheres! Ai! um sorriso que se desprendesse dos lábios formosos daquela virgem, mataria de amores um homem! Um olhar meigo e terno que brilhasse por entre aquelas pestanas aveludadas, venceria o mundo!
- Ora diz-me a verdade, Augusto, sempre partes amanhã? disse a jovem a seu companheiro, com uma voz suave como teriam os anjos, se eles falassem.
- Não me acreditas, Carolina? Para que te havia de eu enganar?
Carolina fitou seus olhos negros nos de Augusto, e disse-lhe corando:
- Para quê?!
- Olha, és injusta; um dia to hei-de provar.
- Mas tu não te demoras muito, não é assim?
- Não sei; mas mesmo que me demore muito, um dia hei-de voltar.
- Ah! tu já não me amas! disse ela, e duas lágrimas despregaram-se de suas pálpebras e vieram cair-lhe no seio.
- Carolina! Carolina! cada vez te amo mais, meu anjo.
E Augusto encostou a cabeça da virgem ao seu peito e beijou-lhe a fronte.
E os pássaros cantavam seus gorjeios, e a fonte murmurava seus queixumes, e a brisa dizia seus segredos!...
- Escuta, querida, podes vir todas as tardes sentar-te sobre este mesmo banco, podes até trazer o meu retrato que eu te dei; e quando os pássaros cantarem, quando o sol s' esconder, quando a brisa brincar com as flores, tu ouvirás os meus protestos d'amor. Sentado à popa do navio que me levar, pisando solo estranho longe de ti, eu direi à viração do mar, eu direi às brisas da tarde: levai-me este suspiro a Carolina.
- Sim, sim, murmurava ela, manda-me um suspiro.
- E quando um dia, continuou Augusto, a estas mesmas horas, tu ouvires uma voz cantar estes versos:
Ó querida, estou de volta,
Venho-te um abraço dar;
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
Então, meu anjo, sou eu, é o teu Augusto; então, eu o juro, tu serás minha à face do mundo e à face de Deus; então nós viveremos.
- Oh! Augusto! Augusto! não partas, não me deixes! e a jovem banhara-se em pranto e soluçava.
- Oh! eu devo partir, mas creio em Deus, também hei-de voltar.
E Augusto com a voz trêmula e os olhos umedecidos, abraçando a virgem, disse-lhe:
- Adeus, Carolina!
- Adeus, Augusto! Para sempre?!...
- Não! não!
E seus lábios se encontraram num longo beijo d'amor, no meio de lágrimas e soluços.
Um grito, agudo e lúgubre como o do mocho, retumbou no espaço!...
- Jesus! exclamou Carolina, cobrindo o rosto com as mãos.
- Não creio em agouros! respondeu Augusto cavalgando o muro.
Um momento depois sentia-se o tropel dum cavalo que partia a toda a brida para Lisboa...
Quando esse ruído se perdeu ao longe, Carolina juntou as mãos e disse em voz baixa:
- Adeus, Augusto! adeus!...
Quase ao mesmo tempo, o cavaleiro que parecia fugir nas asas do vento, murmurava:
- Adeus, Carolina! adeus!
CAIU!
No fim da mesma alameda, embaixo do mesmo caramanchão, sentados sobre o mesmo banco onde seis meses antes dois amantes se beijavam em prantos, dois amantes hoje beijam-se por entre sorrisos de prazer.
Ah! mulher! mulher! que tão cedo esqueceste o homem que te votou o amor mais ardente de sua alma! Esse homem a quem juraste vir aqui todas as tardes escutar o suspiro saudoso, que ele te havia de enviar nas asas da viração!...
Ah! mulher! mulher! que tão depressa esqueceste um homem que te ama, para ouvires os galanteios doutro que te cobiça!... Deixas adormecida em teu peito a imagem daquele por quem teu coração novel bateu as primeiras pulsações, ao mesmo tempo tímidas e suaves, e não te lembras que esse homem virá um dia, implacável como o destino, terrível como o raio, pedir-te o cumprimento das juras que lhe fizeste; exigir-te contas do seu amor, que tu escarneceste; das suas crenças, em que tu cuspiste; da sua alma, que tu assassinaste!...
Não te lembras que os lábios ardentes doutro homem roçaram as tuas faces?
Oh! para o futuro, nas horas mortas da noite, sentirás o pungir desse remorso!
O dia está quase no seu termo; em breve virá a noite com seu silêncio, suas estrelas, seus fantasmas, seus mistérios!...
Eles falam; escutamos:
- Olha, Fernando, ontem esperei-te tanto tempo, e tu não vieste! Estava aqui sentada só, triste! Qualquer ruído que sentia na estrada, dizia comigo: é Fernando; e enganava-me, não eras tu!
- Não vim ontem, porque não pude; mas vi-te.
- Não vieste e viste-me?!
- Vi-te sim, Carolina, vi-te em sonhos como te vejo todos os dias. E que outra mulher senão tu, há-de vir abrilhantar os meus sonhos? Às vezes, vejo-te similhante a um anjo, fugires da terra envolta em nuvens vaporosas. Ontem vi-te aqui, neste mesmo parque. Tu eras já minha e estavas tão linda como agora; o céu sorria-se para ti, os pássaros gorjeavam para tu os ouvires, a brisa brincava com teus cabelos e tu brincavas com as flores...
- E tu, Fernando?
- Eu?! Corria atrás de ti para te dar um beijo e tu fugias ligeira como a gazela e depois cansada, com teu seio a arfar, com teus lábios entreabertos, com tuas tranças soltas, caías desfalecida em meus braços... e ambos gozávamos gozos, delícias, como só se gozam no céu... estávamos no paraíso. Ah! que sonho tão lindo, Carolina! Mas era um sonho. Foi cruel o despertar.
- Não te acredito, disse ela com um sorriso, que queria justamente dizer o contrário.
- Mas eu não te engano; amo-te como um louco, amo-te como ninguém nunca amou, porque és tu a mulher que eu havia sonhado nos meus sonhos da infância, nos meus sonhos da adolescência, nos meus sonhos dos 18 anos, quando o coração tem necessidade d'amor, quando os lábios desejam que os beijos duma mulher venham mitigar a sede que os abrasa.
E Fernando pôs-se de joelhos aos pés de Carolina, cingindo-lhe a cintura flexível e delicada, com seus braços nervosos.
- E tu, Carolina, também me amas?
- Muito, muito, disse ela, e subjugada pelo olhar ardente de Fernando, uniu seus lábios corados aos dele, que queimavam...
A noite tinha estendido o seu manto: as estrelas cintilavam no firmamento, grossas nuvens haviam ocultado a face da lua.
A noite tem seus mistérios!
No meio daquela mudez aterradora, soou um grito de mulher, abafado logo por algum beijo. Teria Carolina visto a figura d' Augusto desenhada no muro fronteiro?...
Meia hora depois, à claridade da lua que se mostrou de súbito, um vulto de mulher atravessava apressado a alameda, dirigindo-se para casa, grave como um fantasma, trêmulo como um condenado!
As estrelas cintilavam mais frouxas, a lua ocultou-se de novo e um murmúrio indefinível, similhante a um queixume, parecia subir da terra ao céu...
Carolina, tinha uma coroa de virgem que lhe circundava a fronte como uma auréola brilhante; Fernando arrancou essa coroa e calcou-a aos pés!...
O anjo caiu do seu pedestal d' inocência... a rosa purpurina e bela pendeu na sua haste... o vento da noite levou-lhe as folhas...
A VOLTA
Estamos em 1849.
Numa tarde de fevereiro, levado por toda a velocidade de seu bom cavalo, seguia um cavaleiro a estrada de Lisboa a ***, estrada onde ficava essa linda quinta com sua casa, no meio de perfumes e de verdura.
Esse cavaleiro, era Augusto.
Quando ainda de longe ele avistou a casa, seus olhos disseram é ali, seu coração indeciso, murmurava: aquela?!...
Ai! já não era a mesma quinta bela e verdejante, que ele tinha deixado na primavera! O inverno havia-a transformado horrivelmente.
Os ramos das faias e dos choupos gigantes já não se debruçavam sobre o muro. A natureza estava triste. As árvores não tinham folhas: apenas erguiam seus ramos despidos que vergavam com o vento.
Uma tristeza involuntária apoderou-se do mancebo.
Prendeu ao muro o seu cavalo coberto de suor e poeira e pôs-se a cantar com uma voz trêmula:
Ó querida, estou de volta,
Venho-te um abraço dar;
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
Nenhuma voz respondeu à sua copla apaixonada. Um silêncio profundo reinava nas alamedas; só os ramos das árvores se agitavam. Dir-se-ia ser um cemitério.
Augusto teve um pressentimento; sua fronte empalideceu por um instante, mas continuou repetindo:
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
O mesmo silêncio terrível. Só o eco repetia triste suas últimas palavras: "sê minha, que eu sei-te amar".
Saltou o muro e alongou a vista impaciente.
Que tristeza! As alamedas estavam desertas, o jardim já não florescia, o lago já não tinha o seu cisne, a natureza já não sorria!
Foi direito ao caramanchão, ele lá estava no mesmo lugar com o seu banco de cortiça, mas a fonte que dantes murmurava parecia gemer agora!
Augusto sentou-se no banco com a cabeça encostada a uma das mãos e olhou para tudo com uma indizível tristeza.
Ai! os pássaros já não cantavam, nem a brisa brincava travessa!
Então o pranto correu-lhe livre, o seu coração dizia-lhe que chorasse.
- Foi aqui, murmurava ele, foi aqui que me despedi dela, foi aqui que prometi torná-la a ver. Meu Deus! quantas lágrimas não derramei quando atravessava o Oceano, que me separava da pátria, onde ficara a minha alma! E agora, que torno a ver a terra onde nasci, agora, que devia ver a minha Carolina, não sei por quê, sinto uma vontade imensa de chorar. Carolina! Carolina! bradou ele, vem ver o teu Augusto, vem dizer-lhe que sempre o amaste, vem dar ao desgraçado que chorou os prantos da saudade, o teu beijo de amor: e os soluços abafaram-lhe a voz no peito.
Mas o mesmo silêncio lúgubre continuou; nem uma voz, nem um som respondeu aos gemidos do amante.
Ergueu-se pálido e trêmulo e caminhou vagaroso pela alameda que ia dar ao jardim, cantando sempre com a sua voz comovida aquela copla, que tão bem exprimia os desejos do seu coração.
Chegou ao jardim e olhou. A casa tinha as portas e as janelas todas fechadas. Também estava deserta.
- Mudaram-se, disse ele, Carolina já aqui não está!
E volta pensativo para o caramanchão e parou diante da fonte.
- Onde está Carolina? perguntou ele, como se a fonte pudesse responder-lhe.
- Onde está Carolina? perguntou ele às árvores, e parecia esperar a resposta.
Mas a fonte continuava a correr e as árvores a agitar os ramos.
- Então adeus, meu caramanchão, minha fonte, meu jardim, adeus!
E Augusto saltou o muro e quis passar por diante da casa onde estivera a sua amada. Quando aí chegou, parou e pôs-se a olhar para a janela onde a tinha visto a primeira vez.
- Jesus! Meu Deus! aquele não é o senhor Augusto? dizia uma saloia, que passava por ali, a seu marido.
- Parece que é, respondeu o saloio.
Ao ouvir o seu nome, Augusto olhou para o lado donde partiram as vozes e reconheceu-os. Depois de os cumprimentar perguntou logo:
- Diga-me, o senhor Ferraz já aqui não mora?
- Há que tempos! mudaram-se pelo Natal.
- Sabe para onde?
- Isso é que não sei; tanto ele como a senhora estavam muito tristes, e tinham razão, aqueles desgostos não são para menos.
- Então eles tiveram algum desgosto? perguntou Augusto, que pressentia a morte de Carolina.
- E muito grande. Sua filha, a senhora D. Carolina, fugiu...
- Carolina fugiu? perguntou Augusto com uma voz que assustou a pobre mulher.
- Sim senhor, respondeu ela, foi no meado do mês de dezembro. Custa a creditar, que uma menina tão boa deixasse sua mãe. E daí pode ser que fosse roubada, quem sabe!
Augusto já nada ouvia; estava louco.
- Oh meu Deus! meu Deus! murmurou ele.
- Jesus! que é isso, senhor Augusto? perguntou a mulher vendo-lhe a extrema palidez e o chamejar sinistro dos olhos.
- E eu que a amava tanto! continuou ele em voz baixa.
A saloia compreendeu-o e afastou-se murmurando:
- Pobre rapaz! o que lhe fui eu dizer!
Augusto ficou ainda algum tempo imóvel com os olhos turvos e o peito arquejante, mas depois erguei a fronte de repente e bradou com uma explosão terrível de dor:
- Ah! mulher, mulher! tu me mataste!
Desprendeu seu cavalo, montou e desapareceu na estrada. Ainda olhou de longe uma vez para aquela quinta deserta e triste, que lhe inspirava tantas recordações...
O MUNDO!
O esplêndido sol dum dia de junho de 1852 brilhava com toda a sua força.
Lisboa-a ufana-curvada graciosa para o Tejo, que lhe beija as plantas, oferecia alegre as suas torres, seus palácios, suas praças, suas ruas, aos raios ardentes desse astro vivificador.
Entranhemo-nos por essa Lisboa, labirinto como tantos outros que se chamam Paris, Londres, etc. Vereis por toda a parte desonra, infâmia, crime! Vereis a virtude esmagada pelo vício! Vereis a par da mais deslumbrante opulência, a mais horrível miséria! Vereis o pobre ajuntar as migalhas dos festins e das orgias do rico! Vereis desacatada a religião, profanado o templo, insultado o Cristo!
- E vive-se nesse inferno?! perguntareis vós.
- Vive-se sim, porque esse abismo alcatifado de flores, tem uma atração a que ninguém resiste. Vive-se sim, porque aí pode o malvado esconder a fronte criminosa no meio da multidão, que se agita e ruge como o oceano em um dia de cólera. Vive-se sim, porque a mulher, que o mundo perdeu, pode aí facilmente furtar-se à vista daqueles, que a conheceram no seu tempo de candura e d'inocência.
- Vinde.
- Por aqui?!...
- Sim, por aqui; causam-vos nojo estas ruas estreitas, tortuosas e lamacentas? Também a mim. Reparai como estes prédios denegridos exalam um fétido insuportável. Tudo respira orgia, vício! Não vedes essas mulheres, que nos atraem com seus olhares voluptuosos, seus sorrisos d'amor, seus requebros lascivos? São mulheres perdidas. Coitadas! Arrojaram-nas nesse abismo de devassidão, e não há mão, que as salve! Hão-de morrer revolvendo-se nesse lodaçal imundo! Desçamos esta calçada.
Não vedes além, aquela jovem pálida e linda encostada à sua janela? Tem seus olhos negros fitos no céu; talvez esteja passando pelo pensamento toda a sua vida. Quem sabe?
Olhai! também tem sobre a fronte o cunho da prostituição.
Mas reparai bem: não vos parece, assim como a mim, tê-la já visto?... Esperai! Foi...há-de haver quatro anos...numa linda quinta...chamava-se...chamava-se...Carolina...
Carolina!! Aquela virgem que passeava pensativa e bela no seu jardim...inocente como uma pomba?... Oh o mundo!...O mundo!...
E foi um miserável que a perdeu!...
Fernando! Fernando! o que fizeste!...
Onde está teu filho, malvado?!
Meteste-o na roda! Vai, monstro, vai ver se o encontras agora, no meio dessas crianças condenadas a viver, sem jamais receberem uma carícia de sua verdadeira mãe, sem que na hora derradeira se recordem que os beijos maternos lhe roçassem as faces na sua infância.
E quando um dia, um homem puser sobre teu peito a ponta do seu punhal, exigindo-te a-bolsa ou a vida,- terás a certeza de que esse bandido não seja o teu filho?...
Ah! Fernando! Fernando! a virgem, que louca, se confiou na tua lealdade,- seduziste-a!
A mulher, que com vergonha da sua família, deixou por teus conselhos a casa paterna, - abandonaste-a!
E a desgraçada, numa noite tempestuosa, vertendo prantos de dor e arrependimento, bradou desesperada: "Fernando! Fernando! tu m' enganaste! Augusto, perdão! Meu Deus, valei-me! que hei-de eu fazer? Oh! a culpa não é minha, levo a consciência tranqüila!"
E lançou-se no vício!...
E não houve um braço que a sustivesse à borda do precipício!...
E as turbas, que vêm e vão, quando passam, chamam-lhe-prostituta!...
Covardes! não insulteis essa mulher. Foi um homem que a perdeu.
Lembrai-vos que ela já foi virgem; lembrai-vos que essa rosa, hoje pálida, desbotada, murcha e estendida no solho dum lupanar, já foi um botão mimoso, que entreabria risonho num jardim florido, e que o vendaval da vida derrubou.
Não a insulteis! resgatai-a do vício; tirai-lhe o labéu infamante, que lhe pesa sobre a fronte e Deus vos recompensará.
Não a insulteis, que aquele pobre coração há-de sofrer tormentos horríveis. Quantas vezes não terá ela chorado lágrimas de sangue, lembrando-se das carícias de sua mãe, do amor de seu pai, dos seus dias sossegados e felizes passados no lar doméstico! Quantas vezes não terá pensado no seu Augusto, que tanto a amava e que talvez agora a amaldiçoe!...
E essa infeliz, ralada por sofrimentos horríveis, não terá, na última hora, mão amiga, que lhe venha cerrar as pálpebras?!...
Ah! mundo! mundo! abismo insondável, que tragas tantas vítimas!...
Ah! Sociedade estúpida! que escarneces da desgraça!...
Ah! Justiça! Justiça! palavra irrisória, que nunca punes o criminoso!...
Mas há a de Deus, e essa...é justa!
Nenhum comentário:
Postar um comentário