Guanabara, seio, braço
de a-mar:
em teu nome, a sigla rara
dos tempos do verbo mar.
Os que te amamos sentimos
e não sabemos cantar:
o que é sombra do Silvestre
sol da Urca
dengue flamingo
mitos da Tijuca de Alencar.
Guanabara, saia clara
estufando em redondel:
que é carne, que é terra e alísio
em teu crisol?
Nunca vi terra tão gente
nem gente tão florival.
Teu frêmito é teu encanto
(sem decreto) capital.
Agora, que te fitamos
nos olhos,
e que neles pressentimos
o ser telúrico, essencial,
agora sim és Estado
de graça, condado real.
II
Rio, nome sussurrante,
Rio que te vais passando
a mar de estórias e sonhos
e em teu constante janeiro
corres pela nossa vida
como sangue, como seiva
-- não são imagens exangues
como perfume na fronha
... como pupila do gato
risca o topázio no escuro.
Rio-tato-
-vista-gosto-risco-vertigem
Rio-antúrio
Rio das quatro lagoas
de quatro túneis irmãos
Rio em ã
Maracanã
Sacopenapã
Rio em ol em amba em umba sobretudo em inho
de amorzinho
benzinho
dá-se um jeitinho
do saxofone de Pixinguinha chamando pela Velha Guarda
como quem do alto do Morro Cara de Cão
chama pelos tamoios errantes em suas pirogas
Rio, milhão de coisas
luminosardentissuavimariposas:
como te explicar à luz da Constituição?
III
Irajá Pavuna Ilha do Gato
-- emudeceram as aldeias gentílicas?
A Festa das Canoas dispersou-se?
Junto ao Paço já não se ouve o sino de São José
pastoreando os fiéis da várzea?
Soou o toque do Aragão sobre a cidade?
Não não não não não não não
Rio, mágico, dás uma cabriola,
teu desenho no ar é nítido como os primeiros grafismos,
teu acordar, um feixe de zínias na correnteza esperta do tempo
o tempo que humaniza e jovializa as cidades.
Rio novo a cada menino que nasce
a cada casamento
a cada namorado
que te descobre enquanto rio-rindo.
assistes ao pobre fluir dos homens e de suas glórias pré-fabricadas.
Neste poema Carlos Drummond de Andrade demonstra todo seu amor pela cidade do Rio de Janeiro.
Texto extraído do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 388.
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