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31 de maio de 2010

Cariocas, de Carlos Drummond de Andrade

Como vai ser este verão, querida, com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme de areia e lama oferta ao velho Leme.
Fogem banhistas para o Posto Seis, O Posto Vinte... Invade-se Ipanema hippie e festiva, chega-se ao Leblon e já nem rimo, pois nessa sinuca superlota-se a Barra da Tijuca até que alguém se lembre de duplicar a Barra, pesadíssima).
Ah, o tamanho natural das coisas estava errado! O mar era excessivo, a terra pouca. Pobre do ser vivo, que aumenta o chão pisável, sem que aumente a própria dimensão interior.
Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura, fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias, olha aí, olha o broto, olha as esguias pernas, o busto altivo, olha a serena arquitetura feminina em cena pelas ruas do Rio de Janeiro que não é rio, é um oceano inteiro de (a) mo (r) cidade.
Repara como tudo está pra frente, a começar na blusa transparente e a terminar... a frente é interminável.
A transparência vai além: os ossos, as vísceras também ficam à mostra?
Meu amor, que gracinha de esqueleto revelas sob teu vestido preto!
Os costureiros são radiologistas?
Sou eu que dou uma de futurólogo?
Translúcidas pedidas advogo: tudo nu na consciência, tudo claro, sem paredes as casas e os governos...
Ai, Carlos, tu deliras? Até logo.
Regressa ao cotidiano: um professor reclama para os sapos mais amor.
Caçá-los e exportá-los prejudica os nossos canaviais; ele, gentil, engole ruins aranhas do Brasil, medonhos escorpiões: o sapo papa paca, no mais, tem a doçura de uma vaca embutida no verde da paisagem.
(Conservo no remorso um sapo antigo assassinado a pedra, e me castigo a remoer sua emplastada imagem.)
Depressa, a Roselândia, onde floriram a Rosa Azul e a Rosa Samba. Viram que novidade? Rosas de verdade, com cheiro e tudo quanto se resume no festival enlevo do perfume?
Busco em vão neste Rio um roseiral, indago, pulo muros: qual!
A flor é de papel, ou cheira mal o terreno baldio, a rua, o Rio?
A Roselândia vamos e aspiremos o fino olor de flor em cor e albor.
Um rosa te dou, em vez de um verso, uma rosa é um rosal; e me disperso em quadrada emoção diante da rosa, pois inda existe flor, e flor que zomba desse fero contexto de metralhadora, de seqüestro e bomba?

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