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2 de fevereiro de 2010

No começo era o pé

Sim, no começo era o pé. Se está provado, por descobertas arqueoló­gicas, que há sete mil anos estes brasis já eram habitados, pensai nestas legiões e legiões de pés que palmilharam nosso território. E pensai nestes passos, primeiro sem destinos, machados de pedra abrindo as iniciais picadas na flo­resta.
E nos pés dos que subiam às rochas distantes, já feitos pedra também, e nos que se enfeitaram de penas e receberam as primeiras botas dos con­quistadores e as primeiras sandálias dos pregadores; pés barrentos, nus, ou enrolados de panos dos caminheiros, pés sobre-humanos dos bandeirantes que alargaram um império, quase sempre arrastando passos e mais passos em chãos desconhecidos, dos marinheiros de barcos primitivos e dos que su­biram aos mastros das grandes naus.
Depois, o Brasil se fez sedentário numa parte de seu povo. Houve os pés descalços que carregaram os pés calçados, pelas estradas. A moleza das sinhazinhas de pequeninos pés redondos, quase dispensáveis pela falta de exercício. E depois das cadeirinhas, das carrua­gens, das redes carregadas por escravos, as primeiras grandes estradas já com postos de montaria organizados, o pedágio de vinténs estabelecido já no século XVIII. Mas além da abertura dos portos, depois da primeira etapa da industrialização, com os navios a vapor, as estradas da ferro, o pé de sete milênios de Terra do Brasil ainda faz seu caminho.
Há pouco, numa das mais belas rodovias (a chamada "Circuito das Águas''), vi comovida, à beira dos largos caminhos cimentados por onde flui novo progresso, ainda legiões de pés caboclos: o marido, a mulher, seus baús, suas crianças, uma velha fechan­do a pequena caravana. Inundados pela fumaceira dos grandes caminhões pejados de mantimentos ou de objetos de consumo, esses brasileiros recorda­vam, no mundo do Desenvolvimento, sete mil anos de andanças a pé. Eram vários, que buscavam novos destinos; estavam marginalizados física e social­mente na era dos Transportes. Mas, um dia, e eu o creio bem próximo, na escalada dos transportes só os estudantes em férias, os escoteiros, conhecerão a aventura de se transportar a pé.
As rodovias riscam o Brasil de um varejar de progresso que se ramifica e se entrecruza. As estradas de ferro, as rotas dos aviões conduzem mais e mais gente, mais e mais riquezas. Por enquanto, po­rém, ainda podeis dizer: No começo era o pé — e ainda hoje, para multidões obscuras de brasileiros não incorporados à realidade cada vez mais esmagadora do progresso nos transportes, ainda hoje, humilde, persistente, vadiando pelos confins do Brasil ou caminhando certo para o bem-estar de uma família, ainda hoje é o pé.

Um comentário:

  1. Por favor - os créditos para a autora do texto, Dinah Silveira de Queirós

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