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23 de fevereiro de 2010

Carlos Drummond de Andrade - Eu sofria quando ela me dizia

Eu sofria quando ela me dizia: "Que tem a ver com as calças, meu querido?"
Vitória, Imperatriz, reinava sobre os costumes do mundo anestesiado e havia palavras impublicáveis.
As cópulas se desenrolavam - baixinho - no escuro da mata do quarto fechado.
A mulher era muda no orgasmo. "Que tem a ver..." Como podem lábios donzelos mover-se, desdenhosos, para emitir com tamanha naturalidade o asqueroso maravilhoso? A tal ponto que, abrindo-se, pareciam tomar a forma arrendondada de um ânus.
A noite era mal dormida. A amada vestida de fezes puxava-me, eu fugia, mãos de trampa escorregante acarinhavam-me o rosto. O pesadelo fedia-me no peito.
O nojo do substantivo - foi há trint'anos -
ao sol de hoje se derrete. Nádegas aparecem em anúncios, ruas, ônibus, tevês.
O corpo soltou-se. A luz do dia saúda-o,
nudez conquistada, proclamada.
Estuda-se nova geografia.
Canais implícitos, adianta nomeá-los? Esperam o beijo do consumidor-amante, língua e membro exploradores.
E a língua vai osculando a castanha clitórida,
a penumbra retal.
A amada quer expressamente falar e gozar
gozar e falar
vocábulos antes proibidos
e a volúpia do vocábulo emoldura a sagrada volúpia.
Assim o amor ganha o impacto dos fonemas certos
no momento certo, entre uivos e gritos litúrgicos,
quando a língua é falo, e verbo a vulva,
e as aberturas do corpo, abismos lexicais onde se restaura
a fae intemporal de Eros,
na exaltação de erecta divindade
em seus templos cavernames de desde o começo das eras
quando cinza e vergonha ainda não haviam corroído a inocência de viver.

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