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3 de janeiro de 2011

O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque sabe que é mortal.Vive em sociedade porque é gregário, mas lê porque se sente só. A leitura constitui para ele uma companhia que não ocupa o lugar de nenhuma outra, mas que nenhuma outra poderia substituir. Não lhe oferece nenhuma explicação definitiva acerca do seu destino, mas tece uma apertada rede de conivências entre a vida e ele. Ínfimas e secretas conivências que falam da paradoxal alegria de viver, mesmo quando referem o trágico absurdo da vida. Por isso as razões que temos para ler são tão estranhas como as que temos para viver.

- Daniel Pennac, Como Um Romance (trad. de Francisco Paiva Boléo ), Asa.

O LIVRO FECHADO

Quebrada a vara, fechei o livro
e não será por incúria ou descuido
que algumas páginas se reabram
e os mesmos fantasmas me visitem.
Fechei o livro, Senhor, fechei-o,

mas os mortos e a sua memória,
os vivos e sua presença podem mais
que o álcool de todos os esquecimentos.
Abjurado, recusei-o e cumpro,
na gangrena do corpo que me coube,

em lugar que lhe não compete,
o dia a dia de um destino tolerado.
Na raça de estranhos em que mudei,
é entre estranhos da mesma raça
que, dissimulado e obediente, o sofro.

Aventureiro, ou não, servidor apenas
de qualquer missão remota ao sol poente,
em amanuense me tornei do horizonte
severo e restrito que me não pertence,
lavrador vergado sobre solo alheio

onde não cai, nem vinga, desmobilizada,
a sombra elíptica do guerreiro.
Fechei o livro, calei todas as vozes,
contas de longe cobradas em nada.
Fale, somente, o silêncio que lhes sucede.

Rui Knopfli (1932-1997)
In: O corpo de Atena. Lisboa: IN-CM, 1984, p. 67

OS MEUS LIVROS

Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.

Jorge Luis Borges
In: Obras completas. Lisboa: Teorema, 1998, vol. 3, p. 113