Língua Portuguesa.Exercícios de português.Exercícios de Gramática.Literatura Brasileira.Interpretação de Texto.Resumos de literatura

29 de abril de 2010

A natureza são duas.
Uma,
tal qual se sabe a si mesma.
Outra, a que vemos. Mas vemos?
Ou é a ilusão das coisas?
Quem sou eu para sentir
o leque de uma palmeira?
Quem sou, para ser senhor
de uma fechada, sagrada
arca de vidas autônomas?
A pretensão de ser homem
e não coisa ou caracol
esfacela-me em frente à folha
que cai, depois de viver
intensa, caladamente,
e por ordem do Prefeito
vai sumir na varredura
mas continua em outra folha
alheia a meu privilégio
de ser mais forte que as folhas.

(in A Paixão Medida)

28 de abril de 2010

Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfêmia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse
Em vão me tento explicar, os muros são surdos
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade,
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para a casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não est'nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da trade
e lentamente passo a mão nessa forma insegura
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

27 de abril de 2010

A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.

Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo.

noite_drummond

Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.

Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada…

acabou.

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.
Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.
A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.
Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se, inteira,
em letras de conclusão.
Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?
O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.
No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?

26 de abril de 2010

Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de Sexta-feira
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente,
falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.

25 de abril de 2010

Larga, poeta, a mesa de escritório,
esquece a poesia burocrática
e vai cedinho à fila do feijão.
Cedinho, eu disse? Vai, mas é de véspera,
seja noite de estrela ou chuva grossa,
e sem certeza de trazer dois quilos.
Certeza não terás, mas esperança
(que substitui, em qualquer caso, tudo),
uma espera-esperança de dez horas.
Dez, doze ou mais: o tempo não importa
quando aperta o desejo brasileiro
de ter no prato a preta, amiga vagem.
Camburões, patrulhinhas te protegem
e gás lacrimogêneo facilita
o ato de comprar a tua cota.
Se levas cassetete na cabeça
ou no braço, nas costas, na virilha,
não o leves a mal: é por teu bem.
O feijão é de todos, em princípio,
tal como a liberdade, o amor, o ar.
Mas há que conquistá-lo a teus irmãos.
Bocas oitenta mil vão disputando
cada manhã o que somente chega
para de vinte mil matar a gula.
Insiste, não desistas: amanhã
outros vinte mil quilos em pacotes
serão distribuídos dessa forma.
A conta-gotas vai-se escoando o estoque
armazenado nos porões do Estado.
Assim não falta nunca feijão-preto
(embora falte sempre nas panelas).
Método esconde-pinga: não percebes
que ele torna excitante a tua busca?
Supermercados erguem barricadas
contra esse teu projeto de comer.
Há gritos, há desmaios, há prisões.
Suspense à la Hitchcock ante as cerradas
portas de bronze, guardas do escondido
papilionáceo grão que ambicionas.
É a grande aventura oferecida
ao morno cotidiano em que vegetas.
Instante de vibrar, curtir a vida
na dimensão dramática da luta
por um ideal pedestre mas autêntico:
Feijão! Feijão, ao menos um tiquinho!
Caldinho de feijão para as crianças...
Feijoada, essa não: é sonho puro,
mas um feijão modesto e camarada
que lembre os tempos tão desmoronados
em que ele florescia atrás da casa
sem o olho normativo da Cobal.
Se nada conseguires... tudo bem.
Esperar é que vale - o povo sabe
enquanto leva as suas bordoadas.
Larga, poeta, o verso comedido,
a paz do teu jardim vocabular,
e vai sofrer na fila do feijão.

(in Amar Se Aprende Amando)

24 de abril de 2010

Sente raiva do passado
que o mantém acorrentado.
Sente raiva da corrente
a puxá-lo para a frente
e a fazer do seu futuro
o retorno ao chão escuro
onde jaz envilecida
certa promessa de vida
de onde brotam cogumelos
venenosos, amarelos,
e encaracoladas lesmas
deglutindo-se a si mesmas.
(in A Paixão Medida)

23 de abril de 2010

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.

22 de abril de 2010

Que pode a câmara fotográfica?
Não pode nada.
Conta só o que viu.
Não pode mudar o que viu.
Não tem responsabilidade no que viu.
A câmara, entretanto,
Ajuda a ver e rever, a multi-ver
O real nu, cru, triste, sujo.
Desvenda, espalha, universaliza.
A imagem que ela captou e distribui.
Obriga a sentir,
A, driticamente, julgar,
A querer bem ou a protestar,
A desejar mudança.
A câmara hoje passeia contigo pela Mata Atlântica.
No que resta - ainda esplendor - da mata Atlântica
Apesar do declínio histórico, do massacre
De formas latejantes de viço e beleza.
Mostra o que ficou e amanhã - quem sabe? acabará
Na infinita desolação da terra assassinada.
E pergunta: "Podemos deixar
Que uma faixa imensa do Brasil se esterilize,
Vire deserto, ossuário, tumba da natureza?"
Este livro-câmara é anseio de salvar
O que ainda pode ser salvo,
O que precisa ser salvo
Sem esperar pelo ano 2 mil.

21 de abril de 2010

Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.
Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.
De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?
E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse nesse minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.
Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e calma.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?
Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me,
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.
Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.

relogio_tempo_meditacaoLeia Salmo 116.1-9; 12-14

Amo o Senhor porque ele ouve a minha voz e as minhas súplicas. Pois livraste da morte a minha alma, das lágrimas, os meus olhos; da queda, os meus pés. (Salmo 116.1, 8)

Ao visitar comunidades rurais no sertão nordestino, como parte de uma equipe de saúde, senti algo roçar meu tornozelo durante a subida de um monte. Não sei se foi uma planta, um animal ou inseto. Mas, em pouco tempo, senti uma sensação estranha de formigamento e dormência no corpo. Era um princípio de choque anafilático! Ao perceber a reação alérgica, meus companheiros levaram-me ao sítio mais próximo, distante dali uns 20 minutos. No caminho, fui piorando muito. Ao chegar ao sítio, mal andava, enxergava, falava ou respirava - não tinha mais forças, minha glote estava se fechando! Mesmo que fosse ao hospital (o mais próximo estava a 40 minutos dali), eu não chegaria viva. Deram-me um pequeno comprimido antialérgico, mas não consegui engolir. Sabia que estava morrendo e só me restava clamar ao Senhor. Houve um desespero geral na casa. Orei muito e pedi Sua misericórdia. Prometi a Deus que testemunharia o Seu agir. Cerca de 35 minutos haviam passado. Ao tomar mais um gole de água, senti o comprimido deslizar pela glote como num milagre. Em poucos minutos senti uma forte pressão em meu corpo. O processo foi exaustivo, sudorese intensa e cansaço. Logo após consegui levantar-me, mas estava muito inchada. Levaram-me ao hospital, mas no caminho fui melhorando consideravelmente. A médica, após medicar-me, espantou-se ao ver-me sem sinal de choque algum e contando todo o processo. Eu lhe disse: "Deus me ama muito e me salvou". Ela confirmou: "Ama mesmo! Você foi salva em cinco minutos! É raro uma pessoa nessas condições passar dos 40 minutos e mais ainda na distância em que você se encontrava". Sou grata a Deus por Seu amor e graça, por isso, testemunho.

Oração: Graças Te damos, Senhor, pela Tua graça e misericórdia que se revelam de modo grandioso nas pequenas e grandes ações Tuas em nós. Que sejamos gratos por Teu amor todos os dias da nossa vida. Amém!

Pensamento para o dia: Deus é quem atua em nós tanto o querer quanto o realizar.

Oremos por alguém gravemente enfermo.

20 de abril de 2010

CAPITULO I
DE UMA IDEIA MIRÍFICA
Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.
- Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.
Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo:
- Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

CAPITULO II
ENTRE DEUS E O DIABO
Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-no logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.
- Que me queres tu? perguntou este.
- Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.
- Explica-te.
- Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...
- Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.
- Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece?
- Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor,
- Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.
- Vai
- Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?
- Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja?
O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer coisa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:
- Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê- las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...
- Velho retórico! murmurou o Senhor.
- Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, - a indiferença, ao menos, - com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, - ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos...
Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica, Deus interrompeu o Diabo.
- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?
- Já vos disse que não.
- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?
- Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.
- Negas esta morte?
- Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...
- Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!
Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.
CAPITULO III
A BOA NOVA AOS HOMENS
Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas.
- Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil a airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...
Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada.
Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.
As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs.
Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.
Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regímen: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: - Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.
CAPITULO IV
FRANJAS E FRANJAS
A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.
Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros.
A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outra descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro.
Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse:
- Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.
Em: Contos Consagrados - Machado de Assis. Coleção Prestígio.

Uma coisa que eu sempre gostei de fazer é falar através de metáforas. Gosto de fazer as pessoas pensarem. Outro dia me ocorreu uma história que eu resolvi adaptar para as conjunturas da atual situação brasileira.

borboleta_mulher

De cinco em cinco anos, num brejo, todos os insetos elegiam um representante. O vencedor da eleição era chamado de o Rei dos Insetos, e este ganhava poderes para definir os sistemas de trabalho das formigas, os horários do canto da cigarra e até altura do vôo dos mosquitos.
Em todas as eleições duas forças polarizavam a intenção de votos. Tinha o grupo dos insetos que votavam na Lagarta e o grupo dos insetos que votavam na Borboleta.
Desde a primeira eleição, a Borboleta sempre foi eleita, deixando os Lagartistas com raiva. Os insetos optavam por escolher a Borboleta como representante porque ela era vistosa, bonita, enquanto a Lagarta tinha um aspecto repugnante, com seus pelos saltando pelo corpo asqueroso e, apesar de ter boas idéias, nunca era eleita.
A Formiga, como Lagartista, não se conformava - Não é possível que estes insetos votem numa borboleta, só porque ela tem asas coloridas.
Já a mariposa não escondia sua admiração pela prima borboleta: - Ela é um luxo!!! Voto nela sempre!!! Minha vida está boa como está. Para que eu vou querer mudar?
Depois de várias eleições, os insetos cansaram-se da mesmice das Borboletas. Os insetos queriam algo novo, algo que mudasse a vida no brejo. Resolveram então que seria eleito a Lagarta. Finalmente, depois de anos, as Lagartas tinham chegado ao poder. Podiam agora expressar seus projetos para o brejo.
O brejo estava em festa, mas no dia da posse, algo tinha acontecido, a Lagarta havia se transformado numa Borboleta e assim, tudo continuou como antes.

12 de abril de 2010

VERSÃO CLÁSSICA

Era uma vez uma formiga que trabalhava duro no sol escaldante do verão, construindo sua casa e acumulando suprimentos para o longo inverno que se aproximava. O gafanhoto pensou: Que idiota! E passava o tempo dando gargalhadas, cantando e dançando como nunca e assim consumiu o verão. Ao chegar o inverno, a formiga estava aquecida e bem alimentada. O gafanhoto não tinha abrigo nem comida e morreu de frio.
MORAL DA HISTÓRIA: TRABALHE DURO! SEJA PREVIDENTE E RESPONSÁVEL!

VERSÃO MODERNA:

Era uma vez uma formiga que trabalhava duro no sol escaldante do verão, construindo sua casa e acumulando suprimentos para o longo inverno que se aproximava. O gafanhoto pensou: Que idiota! E passou o tempo dando gargalhadas, cantando e dançando como nunca e assim consumiu o verão.

Ao chegar o inverno, o gafanhoto, tremendo de fio, convocou a imprensa para uma entrevista e exigiu explicações. Por que é permitido à formiga um inverno com uma toca aquecida e boa alimentação enquanto outros estão expostos ao frio e morrendo de fome. Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Brasil, Estadão, Rede Globo, TV Guaíba, TV Gaúcha, SBT, BAND e outros comparecem e tiram fotos do gafanhoto trêmulo de frio e com sinais de subnutrição. Imagens dramáticas na televisão mostram um gafanhoto em condições deploráveis e logo adiante a formiga em sua toca confortável com uma mesa farta e variada. O programa Aqui e Agora apresentou um quadro de 15 minutos, mostrando um gafanhoto cambaleante.

O Brasil fica perplexo e chocado com o contraste. A BBC de Londres manda uma equipe ao Brasil para fazer uma reportagem especial a ser distribuída em rede na Europa. A CBS nos Estados Unidos interrompe uma entrevista coletiva do Rumsfeld sobre a guerra para mostrar uma entrevista com imagens que o gafanhoto concedeu ao correspondente no Brasil. A CNN, que também apresentou a matéria, obteve um significativo aumento de audiência e decidiu mandar um correspondente ao Brasil para montar um vídeo sobre a miséria dos gafanhotos brasileiros. A empresa preconiza um ano fiscal bastante generoso com a exploração desses dois eventos: a guerra e a tragédia dos gafanhotos.“Como pode isto acontecer num país com uma das maiores produções agrícolas do mundo e em cujas metrópoles circulam automóveis de luxo! Como permitem os ricos que o pobre gafanhoto sofra tanto? ”

O Ratinho introduz o gafanhoto em seu programa e todos choram enquanto cantam: Não é mole ser sem-toca. O João Pedro Stédile, um dos dirigentes do MST (Movimento dos Sem Toca) promove uma demonstração que paralisa o trânsito de São Paulo por quarto horas, O José Rainha Jr., outro dirigente, promove uma marcha dos Sem-Toca à Brasília, partindo de vários pontos conflagrados do país. São recebidos pelo presidente da república que comparece vestido de verde em homenagem ao gafanhoto, símbolo dos Sem-Toca. O Banco Mundial elogiou o programa Folhas Mil recém lançado pelo governo para socorrer os gafanhotos do MSF (Movimento dos Sem Folha.) Lula conclamou os G7 a criar um fundo especial para um programa Folhas Mil mundial. Afinal, todo gafanhoto tem o direito a três folhas verdes por dia.

Simultaneamente, milhares de invasões de tocas são promovidas em todo território nacional. O presidente pede uma trégua, mas não é atendido.

Em entrevista no programa do Jô Soares, Miguel Rosseto brada que as formigas enriqueceram às custas dos pobres gafanhotos e que estes são vítimas das politicas discriminatórias do FMI e do imperialismo americano e conclama o Congresso a aprovar legislação aumentando imediatamente a alíquota de impostos para as formigas. Outra medida, apoiada pelo Senador Paulo Paim, estabelece um imposto de 20% sobre as grandes fortunas das formigas, retroativo ao início do verão, destinado a promover a cidadania dos gafanhotos. Recebe apoio imediato de José Dirceu, coma ressalva de que os recursos devam ser divididos igualitariamente entre os programas prioritários do governo.Cogita-se de uma emenda constitucional que obrigue as comunidades a promover a integração social dos gafanhotos. A CNBB propõe a criação do Banco das Tocas. Cria-se o BCG - Banco Cooperativo dos Gafanhotos, sendo as formigas obrigadas a entregar ao BCG uma cota anual de folhas verdes para distribuição aos gafanhotos despossuídos. A formiga é multada por não ter entregue sua cota de folhas verdes e, não tendo como pagar as taxas retroativas, pede falência. A Câmara Federal instala uma comissão de inquérito para investigar a falência fraudulenta de inúmeras formigas abastadas, suspeitando de que tenham desviados recursos pela FF5 (Folhas Frescas no.5 do Banco Central.) com a utilização de folheiras (formigas operadoras do mercado paralelo de folhas) e formigas laranjas estabelecidas em Foz do Iguaçu. Suspeita-se também do envolvimento da UDC (União Democrática das Carregadeiras) no esquema fraudulento.

O gafanhoto decide invadir a toca da formiga e lá acampa. A formiga pede ajuda da polícia, que informou não dispor de efetivos para atender a ocorrências desta natureza e também por orientação do Secretário de Segurança que deseja evitar confrontos com os sem-tocas. Entra na justiça para obter a reintegração de posse mas o juiz nega, invocando o direito alternativo e sentencia que a formiga não provou a produtividade da toca. O Ministério da Reforma Agrária desapropria a toca da formiga por não cumprir sua função social e a entrega ao friorento e desnutrido gafanhoto. A formiga tenta na justiça cobrar a indenização pela desapropriação. Em outra ação, tenta provar a produtividade de sua toca. O processo continua horrendo.

A empresa de advogados Lia Pires (sucessores) oferece-se para representar o gafanhoto em processo de difamação e perdas e danos contra a formiga que é condenada em várias instâncias da justiça, perdendo seu último e derradeiro recurso perante o Superior Tribunal Federal, integrado por magistrados nomeados por indicação de Luiz Inácio Lula da Silva, de uma lista de gafanhotos que, quando juízes, praticavam a justiça alternativa. A agilidade da justiça neste rumoroso caso foi alvo de rasgados elogios.

O Ministério da Justiça descobriu que o gafanhoto foi preso no passado por promover alguma desordem nas ruas e conseguiu sua inclusão no grupo de perseguidos políticos com direito a indenização federal e pensão vitalícia.
A lenda termina com o gafanhoto consumindo os últimos restos de comida da antiga toca da formiga, que está caindo aos pedaços e ruindo por falta de manutenção. O gafanhoto acaba morrendo em um incidente relacionado com drogas e uma gangue de aranhas toma conta da toca e passa a aterrorizar a vizinhança antes tranquila e pacífica.

A formiga consegue uma passagem aérea aos Estados Unidos, onde entrou com visto de turista e passou a viver de bicos, fazendo faxinas nas tocas das mais ricas. Mesmo vivendo ilegalmente no país, terminou por constituir uma empresa de faxina, empregando outras formigas brasileiras que seguiram seus passos. Com o passar do tempo, a formiga e suas auxiliares economizaram o suficiente para obter sua própria toca, conseguiram seu green-card e mais tarde se tornaram cidadãs americanas. A comunidade brasileira de formigas se reúne periodicamente em uma folheada(churrasco de folhas), sempre muito divertida. Sonham sempre em economizar muitas verdinhas (folhas) e um dia voltar ao Brasil. Nunca o fazem, contudo.

MORAL DA HISTÓRIA: TEM MUITAS COISAS ALÉM DO TRABALHO ÁRDUO QUE NOSSA VÃ FILOSOFIA NÃO ALCANÇA.

11 de abril de 2010

Leia Efésios 2.4-10

E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades. Filipenses 4.19

A chuva caía tão delicadamente que eu mal a notava. Boa parte da Austrália tem sofrido a mais devastadora seca de nossa história. Minha mente remonta aos dias da minha infância, quando eu pulava nas poças de água após uma tempestade. Quando ocorre uma, não podemos ignorar a chuva que cai pesadamente à nossa volta, mas naquele dia ela caía suavemente, abençoando a terra. Eu podia ter esperança de novo crescimento. Ao pensar na chuva, lembrei-me da graça e misericórdia de Deus, que cai livremente sobre mim - chegando às vezes tão silenciosamente que mal as reconheço. Somente depois de ver os resultados dessas bênçãos reconheço o quanto Deus me deu todas as pequenas coisas de que preciso a cada dia.

Oração: Deus gracioso, perdoa-nos quando não reconhecemos Tuas dádivas. Ajuda-nos a perceber-Te em ação, tanto quando derramas liberalmente as Tuas bênçãos como quando outras menores caem suavemente em nossas vidas. Oramos como Jesus nos ensinou, dizendo: "Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; [..] Amém!"*

Pensamento para o dia: Hoje, manifestarei gratidão pelas "pequenas" bênçãos que Deus envia.

Oremos por aqueles que não conseguem ver Deus em ação.

Meditação escrita por Cora Williams (Queensland, Austrália)

Medite: Marcos 14

* Faça a oração completa como em Mateus 6.9-13.

9 de abril de 2010

Esse ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo exige que prestemos alguma atenção à natureza – essa natureza que não presta atenção em nós. Abrindo a janela matinal, o cronista deparou no firmamento, que seria de uma safira impecável se não houvesse a longa barra de névoa a toldar a linha entre céu e chão – névoa baixa e seca, hostil aos aviões. Pousou a vista, depois, nas árvores que algum remoto prefeito deu à rua, e que ainda ninguém se lembrou de arrancar, talvez porque haja outras destruições mais urgentes. Estavam todas verdes, menos uma. Uma que, precisamente, lá está plantada em frente à porta, companheira mais chegada de um homem e sua vida, espécie de anjo vegetal proposto ao seu destino.
Essa árvore de certo modo incorporada aos bens pessoais, alguns fios elétricos lhe atravessam a fronde, sem que a molestem, e a luz crua do projetor, a dois passos, a impediria talvez de dormir, se ela fosse mais nova. Às terças, pela manhã, o feirante nela encosta sua barraca, e, ao entardecer, cada dia, garotos procuram subir-lhe pelo tronco. Nenhum desses incômodos lhe afeta a placidez de árvore madura e magra, que já viu muita chuva, muito cortejo de casamento, muitos enterros, e serve há longos anos à necessidade de sombra que têm os amantes de rua, e mesmo a outras precisões mais humildes de cãezinhos transeuntes.
Todas estavam ainda verdes, mas essa ostentava algumas folhas amarelas e outras já estriadas de vermelho, numa gradação fantasista que chegava mesmo até o marrom – cor final de decomposição, depois da qual as folhas caem. Pequenas amêndoas atestavam seu esforço, e também elas se preparavam para ganhar coloração dourada e, por sua vez, completado o ciclo, tombar sobre o meio-fio, se não as colhe algum moleque apreciador de seu azedinho. É como se o cronista, lhe perguntasse – Fala, amendoeira – por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:
-- Não vês? Começo a outonear. É 21 de março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.
-- E vais outoneando sozinha?
-- Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno.
-- Somos todos assim.
-- Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.
-- Não me entristeças.
-- Não, querido, sou tua árvore-de-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonize com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-se com dignidade, meu velho.
(Carlos Drummond de Andrade)
boris_casoy O uso da emoção é um dos instrumentos mais comuns nas campanhas eleitorais.
Quanto menos informada é a população de eleitores, mais a emoção é eficaz para conseguir votos. Embora isso seja pouco ou nada mais divulgado, no Brasil a tentativa de envolver as emoções no turbilhão eleitoral é, provavelmente, a ferramenta mais importante de uma campanha.
Cerca de 70% dos eleitores brasileiros não têm o primeiro grau completo. Na visão dos políticos, dos publicitários e especialistas que dirigem campanhas eleitorais, é bem mais prático influenciar essas pessoas usando sua emoção do que a razão. Mostrar as dificuldades reais do país através de estudos técnicos, apresentar gráficos, discutir opções teóricas de caminhos a serem seguidos e propor planos de governo reais, tudo isso é considerado totalmente sem efeito, inútil, por aqueles que dirigem campanhas eleitorais.

Qual foi, então, a solução encontrada para essas campanhas? O uso da emoção, dos sentimentos humanos. Para isso nada mais apropriado que o uso da televisão. Um discurso flamejante, teatral, humano, fraternal, igual, salvador, uma música envolvente com letra heróica e uma seqüência estudada de imagens cinematográficas que mexem com a alma; essa é a fórmula básica da conquista de votos no Brasil. Nesta campanha o uso da televisão foi limitado. Não poderão ser usadas as caríssimas produções que buscavam mexer com a alma humana. Basicamente, os candidatos vão ter que se dirigir pessoalmente aos eleitores, sem imagens produzidas. Vai ser mais difícil, mas certamente vão ser usadas ao máximo as técnicas que buscam tirar proveito da emoção.
Mas não é só emoção. No Brasil ela funciona junto com alguma coisa que pode parecer racional ao eleitor. Na maioria das campanhas para presidente, governador e prefeito, são feitas pesquisas entre os eleitores, verificando quais são seus principais anseios e desejos. Por exemplo: um candidato a governador verifica que seus possíveis eleitores têm como prioridade a habitação. A partir dessa constatação toda a parte aparentemente racional da campanha será dirigida basicamente para esse tema. Se na pesquisa os eleitores demonstram que querem eleger um candidato que combata a corrupção, dá-lhe discurso contra a corrupção. A técnica é trabalhar com as emoções e com os anseios. A verdade pouco importa.
Como os orçamentos públicos são sempre menores do que o eleitor quer, os candidatos são aconselhados a prometer, sem tocar na questão dos recursos. Não há pudor: se promete tudo. E num pacote de emoção e promessas, evidentemente acompanhadas de críticas à atual situação, se arrancam os votos. Com a certeza de que, depois, ninguém vai cobrar as promessas. Há até quem diga que promessa eleitoral não deve ser cobrada porque não é para valer.
É claro que nisso tudo há exceções. Mas são poucas.
Se todos nós voltássemos com mais razões e menos emoção, procurando ver o que representam e quem são realmente os candidatos, o que eles fizeram e falaram no passado, certamente teríamos um Brasil melhor. Mas esta é uma outra história que fica para uma outra vez.
Também sou pai e portanto compreendo. Vocês querem o melhor para o filho, para a filha. A melhor escola, os melhores professores, os melhores colegas. Vocês querem que filhos e filhas fiquem bem preparados para a vida. A vida é dura e só sobrevivem os mais aptos. É preciso ter uma boa educação.
Compreendo, portanto, que vocês tenham torcido o nariz ao saber que a escola ia adotar uma política estranha: colocar crianças deficientes nas mesmas classes das crianças normais. Os seus narizes torcidos disseram o seguinte: Não gostamos. Não deveria ser assim! O problema começa com o fato de as crianças deficientes serem fisicamente diferentes das outras, chegando mesmo, por vezes, a ter uma aparência esquisita. E isso cria, de saída, um mal-estar... digamos... estético. Vê-las não é uma experiência agradável. É preciso se acostumar... Para complicar há o fato de as crianças deficientes serem mais lerdas: elas aprendem devagar. As professoras vão ser forçadas a diminuir o ritmo do programa para que elas não fiquem para trás.

E isso, evidentemente, trará prejuízos para nossos filhos e filhas, normais, bonitos, inteligentes. É preciso ser realista; a escola é uma maratona para se passar no vestibular. É para isso que elas existem. Quem fica para trás não entra... O certo mesmo seria ter escolas especializadas, separadas, onde os deficientes aprenderiam o que podem aprender, sem atrapalhar os outros.
Se é assim que vocês pensam eu lhes digo: Tratem de mudar sua maneira de pensar rapidamente porque, caso contrário, vocês irão colher frutos muito amargos no futuro. Porque, quer vocês queiram quer não, o tempo se encarregará de fazê-los deficientes.
É possível que na sua casa, num lugar de destaque, em meio às peças de decoração, esteja um exemplar das Escrituras Sagradas. Via de regra a Bíblia está lá por superstição. As pessoas acreditam que Deus vai proteger. Se assim fosse, melhor que seguro de vida seria levar uma Bíblia sempre no bolso. Não sei se vocês a lêem. Deveriam. E sugiro um poema sombrio, triste e verdadeiro do livro de Eclesiastes. O autor, já velho, aconselha os moços a pensar na velhice. Lembra-te do Criador na tua mocidade, antes que cheguem os dias das dores e se aproximem os anos dos quais dirás: "Não tenho mais alegrias..." Antes que se escureça a luz do sol, da lua e das estrelas e voltem as nuvens depois da chuva... Antes que os guardas da casa comecem a tremer e os homens fortes a ficar curvados... Antes que as mós sejam poucas e pararem de moer... Antes que a escuridão envolva os que olham pelas janelas... Antes que as pessoas se levantem com o canto dos pássaros... Antes que cessem todas as canções... Então se terá medo das alturas e se terá medo de andar nos caminhos planos... Quando a amendoeira florescer com suas flores brancas, quando um simples gafanhoto ficar pesado e as alcaparras não tiverem mais gosto... Antes que se rompa o fio de prata e se despedace a taça de ouro e se quebre o cântaro junto à fonte e se parta a roldana do poço e o pó volte à terra... Brumas, brumas, tudo são brumas... (Eclesiastes 12: 1-8)
Os semitas eram poetas. Escreviam por meio de metáforas. Metáfora é uma palavra que sugere uma outra. Tudo o que está escrito nesse poema se refere a você, a mim, a todos. Antes que se escureça a luz do sol... Sim, chegará o momento em que os seus olhos não verão como viam na mocidade. Os seus braços ficarão fracos e tremerão no seu corpo curvo. As mós - seus dentes - não mais moerão por serem poucos. E a cama pela manhã, tão gostosa no tempo da mocidade, ficará incômoda. Você se levantará tão cedo quanto os pássaros e terá medo de andar por não ver direito o caminho. É preciso ser prudente porque os velhos caem com facilidade por causa de suas pernas bambas e podem quebrar a cabeça do fêmur. Pode até ser que você venha a precisar de uma bengala. Por acaso os moinhos pararão de moer? Não, os moinhos não param de moer. Mas você parará de ouvir. Você está surdo. Seu mundo ficará cada vez mais silencioso. E conversar ficará penoso. Você verá que todos estão rindo. Alguém disse uma coisa engraçada. Mas você não ouviu. Você rirá, não por ter achado graça, mas para que os outros não percebam que você está surdo. Você imaginou uma velhice gostosa. E até comprou um sítio com piscina e árvores. Ah! Que coisa boa, os netos todos reunidos no "Sítio do Vovô", nos fins de semana! Esqueça. Os interesses dos netos são outros. Eles não gostam de conviver com deficientes.
Eles não aprenderam a conviver com deficientes. Poderiam ter aprendido na escola mas não aprenderam porque houve pais que protestaram contra a presença dos deficientes.
A primeira tarefa da educação é ensinar as crianças a serem elas mesmas. Isso é extremamente difícil. Fernando Pessoa diz: Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim. Frequentemente as escolas esmagam os desejos das crianças com os desejos dos outros que lhes são impostos. O programa da escola, aquela série de saberes que as professoras tentam ensinar, representa os desejos de um outro, que não a criança. Talvez um burocrata que pouco entende dos desejos das crianças. É preciso que as escolas ensinem as crianças a tomar consciência dos seus sonhos!
A segunda tarefa da educação é ensinar a conviver. A vida é convivência com uma fantástica variedade de seres, seres humanos, velhos, adultos, crianças, das mais variadas raças, das mais variadas culturas, das mais variadas línguas, animais, plantas, estrelas... Conviver é viver bem em meio a essa diversidade. E parte dessa diversidade são as pessoas portadores de alguma deficiência ou diferença. Elas fazem parte do nosso mundo. Elas têm o direito de estar aqui. Elas têm direito à felicidade. Sugiro que vocês leiam um livrinho que escrevi para crianças, faz muito tempo: Como nasceu a alegria. É sobre uma flor num jardim de flores maravilhosas que, ao desabrochar, teve uma de suas pétalas cortada por um espinho. Se o seu filho ou sua filha não aprender a conviver com a diferença, com os portadores de deficiência, e a ser seus companheiros e amigos, garanto-lhes: eles serão pessoas empobrecidas e vazias de sentimentos nobres. Assim, de que vale passar no vestibular?
Li, numa cartilha de curso primário, a seguinte estória: Viviam juntos o pai, a mãe, um filho de 5 anos, e o avô, velhinho, vista curta, mãos trêmulas. Às refeições, por causa de suas mãos fracas e trêmulas, ele começou a deixar cair peças de porcelana em que a comida era servida. A mãe ficou muito aborrecida com isso, porque ela gostava muito do seu jogo de porcelana. Assim, discretamente, disse ao marido: Seu pai não está mais em condições de usar pratos de porcelana. Veja quantos ele já quebrou! Isso precisa parar... O marido, triste com a condição do seu pai mas, ao mesmo tempo, sem desejar contrariar a mulher, resolveu tomar uma providência que resolveria a situação. Foi a uma feira de artesanato e comprou uma gamela de madeira e talheres de bambu para substituir a porcelana. Na primeira refeição em que o avô comeu na gamela de madeira com garfo e colher da bambu o netinho estranhou. O pai explicou e o menino se calou. A partir desse dia ele começou a manifestar um interesse por artesanato que não tinha antes. Passava o dia tentando fazer um buraco no meio de uma peça de madeira com um martelo e um formão. O pai, entusiasmado com a revelação da vocação artística do filho, lhe perguntou: O que é que você está fazendo, filhinho? O menino, sem tirar os olhos da madeira, respondeu: Estou fazendo uma gamela para quando você ficar velho...
Pois é isso que pode acontecer: se os seus filhos não aprenderem a conviver numa boa com crianças e adolescentes portadores de deficiências eles não saberão conviver com vocês quando vocês ficarem deficientes. Para poupar trabalho ao seu filho ou filha sugiro que visitem uma feira de artesanato. Lá encontrarão maravilhosas peças de madeira...
Nasci no dia 15 de setembro de 1933. Sobre o meu nascimento veja a crônica Que bom que eles se casaram. Faça as contas para saber quantos anos não tenho. Que "não tenho", sim; porque o número que você vai encontrar se refere aos anos que não tenho mais, para sempre perdidos no passado. Os que ainda tenho, não sei, ninguém sabe.
Nasci no sul de Minas, em Boa Esperança que, naquele tempo, se chamava Dores da Boa Esperança. Depois tiraram o "Dores". Pena, porque dores de boa esperança são dores de parto: há dores que anunciam o futuro. Boa Esperança é conhecida mais pela serra que o Lamartine Babo, ferido por um amor impossível, transformou em canção: "Serra da Boa Esperança", que você ouviu logo que entrou na minha casa.
Meu pai era rico, quebrou, ficou pobre. Tivemos de nos mudar. Dos tempos de pobreza só tenho memórias de felicidade. Albert Camus dizia que, para ele, a pobreza (não a miserabilidade) era o ideal de vida. Pobre, foi feliz. Conheceu a infelicidade quando entrou para o Liceu e começou a fazer comparações. A comparação é o início da inveja que faz tudo apodrecer. Aconteceu o mesmo comigo. Conheci o sofrimento quando melhoramos de vida e nos mudamos para o Rio de Janeiro. Meu pai, com boas intenções, me matriculou num dos colégios mais famosos do Rio. Foi então que me descobri caipira. Meus colegas cariocas não perdoaram meu sotaque mineiro e me fizeram motivo de chacota. Grande solidão, sem amigos. Encontrei acolhimento na religião. Religião é um bom refúgio para os marginalizados. Admirei Albert Schweitzer, teólogo protestante, organista, médico, prêmio Nobel da Paz. Quis seguir o seu caminho.
Tentei ser pianista. Fracassei. Sobrava-me disciplina e vontade. Faltava-me talento. Há um salmo que diz: "Inútil te será levantar de madrugada e trabalhar o dia todo porque Deus, àqueles a quem ama, ele dá enquanto estão dormindo." Deus não me deu talento. Deu todo para o Nelson Freire, que também nasceu em Boa Esperança. Estudei teologia. Fui pastor no interior de Minas. Convivi com gente simples e pobre. Lá um pastor é uma espécie de "despachante" para resolver todos os problemas. Mas já naquele tempo minhas idéias eram diferentes. Eu achava que religião não era para garantir o céu, depois da morte, mas para tornar esse mundo melhor, enquanto estamos vivos. Claro que minhas idéias foram recebidas com desconfiança... Em 1959 me casei e vieram os filhos Sérgio (XII.59) e Marcos (VII.62). Em 1975 nasceu minha filha Raquel. Inventando estórias para ela descobri que eu podia escrever estórias para crianças (A lista dos livros infantis que escrevi estão na Biblioteca). Fui estudar em New York (1963), voltei um mês depois do golpe militar. Fui denunciado pelas autoridades da Igreja Presbiteriana, à qual pertencia, como subversivo. Experimentei o medo e fiquei conhecendo melhor o espírito dos ministros de Deus... Minha família e eu tivemos de sair do Brasil. Fui estudar em Princeton, USA, onde escrevi minha tese de doutoramento, Towards a Theology of Liberation, publicada em 1969 pela editora católica Corpus Books com o título A Theology of Human Hope. Era um dos primeiros brotos daquilo que posteriormente recebeu o nome de Teologia da Libertação. Se você quiser saber um pouco sobre o que aconteceu comigo nesses anos, leia o ensaio Sobre deuses e caquis (O quarto do mistério, p 137). O tempo passou, mudou meu jeito de pensar, voltei ao Brasil em 1968, demiti-me da Igreja Presbiteriana. Com um Ph.D. debaixo do braço e sem emprego. Foi o economista Paulo Singer, que fiquei conhecendo numa venda de móveis usados em Princeton, que me abriu a porta do ensino superior, indicando-me para uma vaga para professor de filosofia na FAFI de Rio Claro, SP. Em 1974 transferi-me para a UNICAMP, onde fiquei até me aposentar.
Golpes duros na vida me fizeram descobrir a literatura e a poesia. Ciência dá saberes à cabeça e poderes para o corpo. Literatura e poesia dão pão para corpo e alegria para a alma. Ciência é fogo e panela: coisas indispensáveis na cozinha. Mas poesia é o frango com quiabo, deleite para quem gosta... Quando jovem, Albert Camus disse que sonhava com um dia em que escreveria simplesmente o que lhe desse na cabeça. Estou tentando me aperfeiçoar nessa arte, embora ainda me sinta amarrado por antigas mortalhas acadêmicas. Sinto-me como Nietzsche, que dizia haver abandonado todas as ilusões de verdade. Ele nada mais era que um palhaço e um poeta. O primeiro nos salva pelo riso. O segundo pela beleza.
Com a literatura e a poesia comecei a realizar meu sonho fracassado de ser músico: comecei a fazer música com palavras. Leituras de prazer especial: Nietzsche, T. S. Eliot, Kierkegaard, Camus, Lutero, Agostinho, Angelus Silésius, Guimarães Rosa, Saramago, Tao Te Ching, o livro de Eclesiastes, Bachelard, Octávio Paz, Borges, Barthes, Michael Ende, Fernando Pessoa, Adélia Prado, Manoel de Barros. Pintura: Bosch, Brueghel, Grünnenwald, Monet, Dali, Larsson. Música: canto gregoriano, Bach, Beethoven, Brahms, Chopin, César Franck, Keith Jarret, Milton, Chico, Tom Jobim.
Sou psicanalista, embora heterodoxo. Minha heterodoxia está no fato de que acredito que no mais profundo do inconsciente mora a beleza. Com o que concordam Sócrates, Nietzsche e Fernando Pessoa. Exerço a arte com prazer. Minhas conversas com meus pacientes são a maior fonte de inspiração que tenho para minhas crônicas.
Já tive medo de morrer. Não tenho mais. Tenho tristeza. A vida é muito boa. Mas a Morte é minha companheira. Sempre conversamos e aprendo com ela. Quem não se torna sábio ouvindo o que a Morte tem a dizer está condenado a ser tolo a vida inteira.

Leia Lucas 11.5-10

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Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros. João 13.35

A baixa luminosidade do farol de emergência me dizia que o carro no acostamento estava lá já havia algum tempo. "Precisam de ajuda?", perguntei. "Sim", respondeu o motorista enquanto ajudava sua esposa a entrar em meu carro. Ambos eram surdos. Perguntei se poderia levá-los a um telefone ou a um posto de serviço. "Não, obrigado. Apenas nos leve para casa", respondeu. A casa deles ficava 50 quilômetros depois da minha. Queria ajudá-los, mas aquilo me parecia um pouco demais. Tentei encontrar uma desculpa, mas não encontrei nenhuma. Perguntei, com relutância: "Vocês gostariam de parar para comer alguma coisa?" "Não, obrigado; mas gostaríamos de ir a um banheiro." Quando estávamos a caminho da casa deles, perguntei quanto tempo eles tinham ficado parados. "Três ou quatro horas", disse o homem. Balancei a cabeça em descrédito. "Quanto tempo pretendiam esperar?" "Até que nossas orações fossem respondidas", disse. Sua resposta de fé me silenciou e humilhou. Nós frequentemente identificamos as pessoas enviadas por Deus como respostas às nossas orações. Mas com que frequência temos sido resposta de Deus a alguém? Mesmo quando não queremos passar por inconvenientes, mesmo quando relutamos, a graça de Deus expressa por meio de nossas ações pode fazer maravilhas.

Oração: Pai, nós Te agradecemos por responderes às nossas orações por meio de outras pessoas. Ajuda-nos a estar disponíveis quando alguém próximo precisar de ajuda. Em nome de Jesus. Amém.

Pensamento para o dia: Hoje, cada um de nós pode ser a resposta à oração de alguém.

Oremos pelos que estão encalhados.

Meditação escrita por Jim Opalek (Tennessee, EUA)

Medite: Marcos 15

2 de abril de 2010

Por que Deus permite
que as mães vão se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não se apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.

alimento_para_a_alma Leia Lucas 22.7-20


Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor. 2 Coríntios 10.17


Papai e eu preparávamos a galinha no quintal enquanto mamãe fazia macarrão caseiro na cozinha. Em pouco tempo, o aroma de galinha cozinhando enchia nossa casinha. Até hoje, minha comida de conforto é macarrão caseiro com montes de frango sobre purê de batatas. Era frequente Jesus usar imagens de banquetes e comida para ensinar sobre Deus. Uma delas é a da refeição da Páscoa, durante a Semana Santa. Quando Jesus partiu e dividiu o pão, Ele Se tornou o pão da vida (Veja João 6.48-51.). Na comunhão, nós nos conectamos às nossas raízes: as ocasiões e as pessoas com quem comungamos, as lágrimas que derramamos, as promessas que fizemos e os fardos que colocamos de lado ao comungar. Essas experiências nos conectam a Deus e moldam nossa identidade como pessoas de fé. Ao partilharmos a Ceia do Senhor, recebemos alimento para o espírito. Para quem está cansado e sobrecarregado, ela é descanso para a alma e força para mais um dia. Para as pessoas solitárias, é comunidade de fé. Para alguém irado ou ferido, é uma visão de, pelo menos, parte do mundo corrigido. Para os doentes e aflitos, é cura eterna. Para quem chega com fé, é a própria presença de Cristo, uma comida de conforto excelente para a alma!

Oração: Deus amoroso, ajuda-nos a lembrar que Tu estás sempre ao nosso lado enquanto tentamos seguir pelo caminho de Jesus. No nome dEle oramos. Amém.

Pensamento para o dia: Nossa melhor comida de conforto é a Ceia do Senhor.

Oremos pelos que passam fome.

Meditação escrita por F. Richard Garland (Rhode Island, EUA)

Medite: João 6.48-51